sábado, 28 de março de 2020

#079 As palavras que retenho e não te digo




As palavras que eu retenho e não te digo,
E não o faço por gosto de castigo,
Acredita que em desgosto sentido
Também eu não as mendigo.
Na desdita, porém, que mantenho, vou guardando
Aquilo que tenho na alma para soltar.
Num esgar misto de lamúria e ternura,
Na brandura do momento em que existo.
No fragmento do lamento que murmuro,
Encontro a coragem lúcida para o sentimento
Quebro, então, o muro e arranco numa viagem.
E nesta demanda em voragem sai-me, então,
Quando abro mão das amarras e espartilhos,
E sem guitarras nem mantilhos grito finalmente:
Sou teu. Somos um do outro. O corpo agito.
E num grito de êxtase partilho com gosto,
Ao mundo todo mostro que em ti me encosto,
E te abraço e demonstro o que estava trancado
E bloqueado no peito agora aberto.
Que te quero perto e apaixonado também,
Porque acerto quando, acalorado, te beijo.
E é nesse desejo palpitante que me entrego,
E como qualquer amante me dou por inteiro,
Sem esperar doravante coisa distinta
Que não seja a verdade do amor intenso,
Infinito e imortal, sem dor nem traição,
Num pleno de emoção e tal tremor
Que, exaustos, e em torpor, nos tocamos,
Nos abraçamos e te digo: Meu amor!

#078 A música ajuda a superar momentos como o que vivemos



A grandeza do ser humano não é fácil de descrever. Talvez a possamos definir como aquilo que não é, aquilo que sabemos distinguir facilmente como não sendo atributo daqueles que são grandes.
Mas também é verdade que há adjetivos que sabemos “colar à pele” das referências humanas inteiras que conhecemos e respeitamos, na sua forma nominal: generosidade, sinceridade, lealdade, altruísmo, fraternidade, ternura, humildade, semelhança, candura, entre muitos outros.
A história da Humanidade está repleta de momentos de dor, perda, crise, doença, epidemia, pandemia, guerra, destruição.
Acredito no poder regenerador das nossas ações.
Acredito que sairemos mais fortes desta crise.
Acredito que a música pode inspirar o mundo inteiro e que há um ponto de sensibilidade dentro de cada um de nós, aquele ponto que permite tornar a dor, a perda, o vazio, o luto, a inexistência pontual, em algo maior, mais pleno, mais estruturado, mais Humano,

terça-feira, 24 de março de 2020

#077 Isolado para depois ser um homem mais Homem

Nestes dias o caos instalou-se. Todos - ou quase todos - vivemos no medo, na incerteza, no ajustamento a formas novas de viver. Isolados uns dos outros, ansiamos o momento de nos voltarmos a ver, abraçar, a olharmo-nos nos olhos, a sentir a presença da respiração daqueles que amamos.
As correntes de opinião, mesmo entre os cientistas e os políticos e os sociólogos e os comentadores dividem-se entre os que antevêm que isto vai piorar e ser um longo processo, e os outros, aqueles que acham que após meados de Abril, lentamente, a nossa vida vai retomar o seu curso.
Não sei. Talvez a verdade verdadeira esteja algures numa bissetriz equilibrada. Ninguém sabe ao certo.
Sem vacina, sem terapêutica específica já aprovada para esta indicação, não existe prevenção que a ciência consinta nem tratamento comprovadamente eficaz e, por via disso, vivemos tempos de experimentalismo, eivados do princípio de que todos desejamos fazer coisas positivas e ver coisas positivas serem feitas e aconteceram, venham elas de onde vierem, como que por um qualquer processo de surpresa, a que os devotos da fé cristã chamam "milagre".


Há mais de quatro semanas que não vejo a minha mãe. Comunicamos por SMS, já ela não tem saído de casa, em isolamento por determinação dos filhos, que ela até aceitou bem. Quando éramos novos e queríamos sair eles pediam que ficássemos em casa. Agora que somos nós os adultos ativos queremos exigir que os nossos mais velhos fiquem em casa. Esta ironia da vida só acontece porque vivemos tempos excecionais. E tempos de exceção requerem medidas de exceção.
Fico em casa, trabalho remotamente, leio livros que estavam em fila de espera, cozinho, escrevo, faço exercício fisico, vejo sérias que há muito queria ver, faço companhia à milha filha e ela a mim. Não me sobra tempo mas a rotina modificou-se. O meu filho está ausente do país, isolado noutra geografia - mas sempre junto do meu coração e no da mãe, por quem também sinto preocupação e cuidado.
Depois de tudo isto passar decidi que vou viver a minha vida ainda com mais plenitude, com mais determinação, com mais arrojo até. Dentro do equilíbrio que me caracteriza, estou certo, mas dando mais passos na construção da minha felicidade e da minha vida.
Não há tempo a perder. De um momento para o outro a vida pode escapar-se-nos por entre os dedos da mão como a areia da praia nos foge. Só que, se perder a areia da praia é uma desolação instantânea de leve da qual já não nos recodamos cinco segundos depois, neste caso...
O que nos impede de sermos felizes? Nós. Nós mesmos, a nossa personalidade, a nossa sociedade, a nossa perceção daquilo que a sociedade considera o melhor e mais padronizado comportamento para todos e para cada um, os nossos medos, as nossas inseguranças, as nossas normas, os nossos valores, os nossos estigmas, os nossos juízos, as nossas auto-determinações. Pois, tudo isso na primeira pessoa do singular e do coletivo, não é? Eu! Nós! Todos nós. O coletivo. A sociedade. E, também, o individual.
Quando o caos se instala há que saber encontrar um rumo para tudo isto, para o sentido da vida, para o propósito que nos move. Sem propósito nada vale a pena. E a nossa inércia impedir-nos-á de sermos felizes. E a vida terá passado, célere - porque ela passa mesmo depressa e porque ela não se repete, não se renova, não nos permite viver de novo e dizer "agora é que vai ser como eu quero, como eu sempre sonhei".
A ciência pode ajudar-nos a prevenir e debelar doenças e ameaças biológicas e tecnológicas. Mas do nosso "coração", dos afetos, das sensações, dos sentimentos, dessa dimensão psíquica e imaterial da essência do ser humano que transcende os demais seres vivos, pelo menos na dimensão que conhecemos, desse campo tratamos nós, já menos na primeira pessoa do plural, antes na primeira pessoa e na segunda pessoa do singular: eu, tu, eu e tu, tu e eu.
Já chorei, já me isolei em silêncios profundos, já ri e já abracei virtualmente familiares, amigos e colegas que me fazem falta por estes dias de pandemia e de desnorte.
Chorar é um ato de catarse que limpa a alma e renova a energia e o compromisso com a vida, considerando que não sejam lágrimas de depressão; no limite, de nostalgia, de saudade - essa dor boa que nos remete para a vontade de estar ou voltar a estar em harmonia com os nossos ou com as nossas memórias - ou mesmo de esperança de que, em breve, no espaço de meses ou poucos anos, teremos crescido com esta novidade social pandémica mundial e seremos melhores pessoas, mais solidários, tolerantes, inclusivos, menos dados a mesquinhices, calhandrices e julgamentos sumários de valor com o significado prárico de condenações em processo sumário popular.
No meio do caos luto por manter a lucidez do rumo. E espero ser capaz de demonstrar a resiliência certa para atravessar este período e voltar a viver em pleno, mais em pleno ainda, sem máscaras nem tabus, nem medos, nem ostentações, antes pugnando por ser humilde, discreto, humano, solidário, próximo, justo, cortês, delicado, íntegro, honrado, exemplo para alguns, discípulo permanente para outros mas, em resumo, uma pessoa mais Pessoa, um homem mais Homem.

domingo, 15 de março de 2020

#076 Coronavirus

O mundo foi surpreendido em Dezembro com o novo SARS-CoV-2, o novo coronavirus cuja doença por si provocada sobre o ser humano foi designada de Covid-19.
Todos temos acompanhado e agora chegou à Europa; e chegou também a Portugal.
Estamos a aprender ainda a lidar com tudo isto, a estabelecer rotinas novas, a assimilar comportamentos novos, a adquirir novas competências.
Ainda tudo parece pouco real, como um conto de ficção científica que me poderia ter sido contado na infância ao género de "A Guerra dos Mundos", de Orson Welles.
No meio de tudo isto, se eu disser que não estou bem parece mal. Não me sinto, para já, doente ou impactado pela situação pandémica. Sigo online, como quase todos.
Dizer que podia estar melhor e que estou assustado por causa dos meus e também de mim, que estou sensível e dou por mim a chorar mais vezes que o costume, então estou a ser eu e também é verdade.
Estou moderadamente otimista. Estou também realisticamente apreensivo. Nestas alturas tudo parece tão relativo.



Sentimos que não temos tudo aquilo que desejamos, que achamos que merecemos e com que sonhamos, na maioria das vezes. Andamos freneticamente em busca do que não sabemos definir corretamente e das frivolidade dos bens materiais e dos afetos que se compram e vendem, das posições sociais que nos conferem atributos distintivos. E, nesse turbilhão, não paramos e não damos valor às coisas mais simples e frugais, apesar de importantes e fundacionais.
Agora, confrontados com esta ameaça à humanidade, todos esses comportamentos e crenças são arrasados e passam lá para trás na escala de prioridades. Maslow já o definia e com mais ou menos atualização a base permanece uma teoria intacta.
Quero a normalidade da vida de volta. Quero abraçar a minha mãe, que não vejo há semanas e que não sei ainda quando irei rever, quero estar com ambos os meus filhos e poder exultar de alegria e dar beijos e abraços a todas as pessoas que são importantes na minha vida.
E agora não posso.
E quando tudo isto passar e voltarmos ao novo normal - haverá um novo normal em breve - quero lembrar-me disto e desta reflexão e evitar voltar ao "anterior normal"; quero poder abraçar e beijar todos os que são importantes na minha vida.
Espero que o facto de todos vestirmos uma roupagem social e de atirarmos para o fundo das ações quotidianas os aspetos mais emocionais e emocionantes, sensitivos e sensacionais possa ser finalmente invertido, numa manifestação consciente e determinada para que fiquemos todos mais “despidos de alma”, mais focados na importância da relação humana de proximidade, na necessidade de sermos simples e fraternos, corteses e delicados, atenciosos e preocupados, humildes e íntegros; e que, todos, possamos amar mais e amar com imensa vontade e determinação, com foco e ação.
Entretanto, resta agradecer aos profissionais de saúde (e aos dos supermercados, forças de segurança, e tantos outros a quem não é possível estar em auto-isolamento) todo o seu esforço nesta luta sem tréguas.
É isto.