quinta-feira, 18 de maio de 2023

#094 Decisões

Todos tomamos decisões. Até mesmo não decidir é, em si mesmo, um ato de decisão. Mas eu não quero não-decidir, quero mesmo tomar decisões, porque sinto, antevejo, acredito convictamente que, uma vez tomadas, os momentos subsequentes me trarão serenidade, tranquilidade, apaziguamento.

Ser feliz no trabalho. Nem que isso implique mudar novamente. Quando trabalhamos com satisfação não nos cansamos nunca do nosso trabalho, do nosso fardo, do peso da responsabilidade que carregamos. Ao contrário, trabalhar sem alegria ou satisfação com o que fazemos rouba momentos de vida.

Ser feliz no amor. Já sou, mas quero ser mais. Tenho a felicidade de ter a meu lado uma pessoa excecional, imperfeita e, por isso mesmo, perfeita para mim, ser que se assume igualmente imperfeito e incapaz de algum dia se aproximar desse conceito esotérico. A pessoa com quem vivo é lúcida, com os pés assentes na terra, humilde, leal, honrada, capaz de extrair de mim o que tenho de melhor. Apoia-me e suporta-me (são coisas diferentes), ouve-me e escuta-me (são também coisas diferentes), ampara-me e segura-me (ibidem). Cresci num quadro de valores sociais em que nunca questionei poder ser diferente daquilo que eram as expetativas criadas sobre quem eu viria a ser e como iria viver em sociedade - era assim porque era assim. Mas eu não sou assim. Dizem que sou diferente. Eu acho que sou igual mas que decidi viver de modo diferente daquele que a maioria das pessoas vive. E por isso está na altura de deixar de me preocupar com o que os outros pensam. Devo respeitar quem pensa de forma diferente da minha apenas se essa pessoa respeitar a forma como sou, inteiro e imperfeito.

Ser feliz com os filhos. A obra mais perfeita em que tomei parte, a minha melhor co-criação até ao momento, que sei que jamais conseguirei repetir. A paternidade é uma missão para toda a vida, um compromisso saudável que abracei com energia, amor e de forma abnegada. Pelos meus filhos posso tentar virar o mundo do avesso, acender novas estrelas no firmamento, viajar pelo cosmos infinito e voltar. O amor mais desinteressado, o amor mais próximo da definição de incondicionalidade, advém da relação saudável entre pais e filhos, lúcidos, normais, imperfeitos, com sentido de risco e sem medo de dar, dar, dar, dar e dar. Porque na dádiva também se recebe - satisfação, plenitude, gratidão, reconhecimento, nirvana.



As decisões estão tomadas. O caminho feito até aqui teve curvas e contra-curvas, retas limpas e outras com armadilhas, já conduzi sem carta e já andei fora de mão, tive furos nos pneus e alguns acidentes leves. É hora de fazer a revisão da máquina, encher o depósito, carregar com o essencial, deixando o acessório para trás, engrenar a mudança de início de marcha, sinalizar com pisca que vou partir, tirar o pé do travão, acelerar, sentir a brisa no rosto e seguir caminho até ao fim da jornada.

Metade do caminho pode estar já feito mas há que acreditar que a parte mais bela da viagem ainda estará por chegar, por viver, por saborear, mesmo que seja entrecortada com momentos mais agrestes ou dolorosos. Esta é a minha fé, a minha convicção. Se sou um homem de fé? Tenho fé, sim. Tenho fé no futuro. Tenho fé para me alimentar de forças, na finitude da vida que não se tolhe no divino, antes é feita apesar dos dogmas e da fé dos outros, que não consigo encontrar em mim, nem explicar. Até na fé me sinto desigual.

A diversidade requer inclusão. A inclusão requer tolerância. A tolerância requer compreensão. A compreensão requer, por sua vez, alguma plausibilidade, coerência, sensatez, respeito e cortesia.

Há quem diga que isto também só é possível quando amadurecemos e ainda não perdemos a lucidez. Será?