segunda-feira, 23 de abril de 2018

#071 Esquizofrenia ou bipolaridade latente?

Dou o que tenho e caso não tenha para dar atrevo-me a pedir. Para que possa dar-te e possa chegar para ti. Sou generoso, sou doce, sou leal, sou honesto, sou fleumático, sou genuíno, sou bruto, sou simpático, sou uma besta, sou um fofinho. Serei bipolar?
Estas questões do comportamento bipolar nunca me preocuparam até que há dias fui confrontado com a impreparação de pessoa amiga e chegada para me entender. Dizia esse meu amigo que eu flutuo muito e tendo a oscilar entre a generosidade diletante e a agressividade cáustica, corrosiva, imprimindo alternadamente um misto de mel com fel. Na verdade o que separa estas duas palavras é apenas uma letra mas é precisamente essa letra do alfabeto que, sendo uma simples alteração, transfigura todo o sentido da palavra.
Se calhar sou. Tenho de o admitir. Nem que para o admitir tenha de ser a única pessoa bipolar na minha escala de afetos e cumplicidades.
Por vezes basta um dia soalheiro, uma brisa morna ou o chilrear de um pardal, ou até apenas a mancha verde de uma paisagem ou o murmulhar das águas de uma ribeira, que corre incessante no seu vagar resiliente, tendo como destino final o mar, essa imensidão onde se confunde a vida com o negrume das profundezas, esse depósito de bipolaridade onde coabitam os corais com os tubarões vorazes, os cardumes que dançam água fora com as orcas, as oxigenantes algas com os plásticos e detritos gerados por esta Humanidade insensível e insensata.
E depois o bipolar sou eu?!?
Posso até ser mas, na minha ingénua e patética forma simples de ser, encontro comportamentos bipolares todos os dias, em quase todas as circunstâncias, provenientes de quase todas as pessoas.
Talvez isso não seja, afinal, bipolaridade. Nunca tive uma depressão mas posso estar triste e sentir-me transitoriamente deprimido. Posso estar contente e motivado mas raramente fico eufórico com os meus feitos. Creio que aqui está claro que não me acho, afinal, bipolar.
O meu cérebro e as sinapses que ocorrem no contacto interconectivo (título do blog) entre os neurónios que abundam em mim podem ter sofrido transmutações ao longo dos tempos. Mas não creio que seja bipolar.
No fundo, bem lá no fundo, o que eu quero é agradar-te, é dar-te o que tenho e o que não tenho. Mas se me irritares, tiro-te tudo e não te dou nada. Sou generoso mas posso e sei ser cruel. Lido mal com as injustiças e isso transfigura-me, leva-me para o pólo oposto da serenidade e da normalidade.
Afinal sempre oscilo entre o eufórico e o deprimido. A culpa não é minha: é por ti e por tua causa que me altero. Se calhar a minhã não-bipolaridade é falsa e quando sou bipolar talvez apenas seja a consequências dos estímulos, da reação a ti e às tuas atitudes e comportamentos. Posso amar-te tanto quando te posso desprezar. Posso querer comprar a lua para te dar e em seguida não pretender sequer ver-te. Mas quando quero e posso e sei que vou dar, dou o que tenho .
Sabes porquê?
Não?
Nem eu.
Há pouco sabia. Agora já não sei. Serei bipolar? Estarei a ser atacado pelo sacana do alemão que me rouba a lucidez? Será que ainda sei distinguir o que é real daquilo que é ficção ou realidade ficcionada? Já não tenho idade para esquizofrenias. Se calhar estou apenas a ficar paranóico. Mas a paranóia não é o mesmo que esquizofrenia? Ou uma decorrência desta?
Não, estou absolutamente bem. Sou apenas mais um cidadão normal deste mundo, que por ele vagueia com um propósito muito claro. Qual é? Bem, se calhar ainda não o defini e ele não será assim tão claro. Umas vezes é, confesso. Outras, nem por isso.
Será que sou bipolar, esquizofrénico ou apenas um estúpido e idiota chapado?
Ou será que sou apenas uma pessoa normal a pretender brincar com um assunto sério, a ludibriar quem me lê? Olhem, não sei. Afinal, qual foi o motivo para o início desta escrita?
Alguém me ajuda? Não, aqueles ali não, porque estão a olhar de lado para mim e um deles tem mesmo ar de quem me quer matar. Há tanta gente que me persegue. E eu não sei porquê. Sei lá eu o porquê...
E depois, aquele outro grupo ali, está-se mesmo a ver que são gente preconceituosa. Só porque tenho uma camisola de lã vestida e estou aqui sentado com 30 graus secos e sem brisa, já estão só a criticar-me, a tentar adivinhar o que vai na minha cabeça.
Não vai nada. Só vais tu, meu amor, sejas lá tu quem for. Sim, porque tu não existes, és apenas uma criação artificial da minha mente, um entretém para que eu esteja ocupado a fazer de conta que tenho uma vida normal e que existe alguém para quem eu dou tudo o que tenho e caso não tenha para dar atrevo-me a pedir. Porque nem só os outros podem ter vidas simples e normais. Eu também quero e quando quero muito, eu tenho.
Sou normal, não sou?

domingo, 22 de abril de 2018

#070 Vida normal, ou anormal?


A vida das pessoas normais, as pessoas que são mesmo normais, as pessoas que circulam na rua e são tantas vezes invisíveis, as pessoas comuns, como nós somos, não tem de ser normal. Muitas vezes não é mesmo, de todo. Repara em nós: somos pessoas comuns, somos frequentemente invisíveis na multidão, e temos entre nós dois tanto em comum, logo nós que somos ambos seres normais, diria mesmo normalizados; sabes seguramente do que falo.
A tua vida e a vida que existe em mim não são nada mais do que vidas banais e normais. O que nos distingue é a tua inteligência. Bom, na verdade é também a tua beleza física. Se for perscrutar adequadamente tudo em ti é melhor do que qualquer atributo físico ou intelectual meu. É por isso que te adoro. Porque és normal e, sendo normal, és tudo menos normal.
O que significa, já agora, ser-se normal? Quem tem a autoridade e a força para decretar o que é normal e o que não é normal? A quem foi investido o poder de decretar o que cai dentro e o que cai fora das normas?
O teu cabelo loiro, juntamente com os teus olhos verdes, os teus lábios carnudos, os teus seios leitosos e as tuas formas torneadas não são normais para mim mas são o teu normal e são a normalidade de muitas pessoas que, como tu, foram abençoadas com a perfeição do corpo. É normal que a beleza física seja mais relevante do que a beleza interior? É, isso sempre sucede no início das relações normais, que despertam com o desejo, o erotismo, a sensualidade e a consumação dos corpos que se fundem um no outro, com normalidade ainda que com intensidade ofegante, mesmo que em gemidos e sufocos, entre contorções e exalação de prazeres. Se isso for a anormalidade pois então que vivamos como anormais. Mas não, isso é a normalidade.
Tudo na vida das pessoas normais pode ser sintetizado a processos simples, normais. E, por mais que tenhamos dificuldade em descortinar a normalidade do outro e ela nos pareça tudo menos normal, havemos de normalizar os fenómenos.
Há uns anos a vida era toda mainstream. Tudo era feito de modo normal: os casais sentiam atracção, física, ou intelectual ou ambas, casavam, procriavam, trabalhavam, de pais ficavam avós e raramente ousavam pensar no lado mais oculto da vida: isso seria uma anormalidade. Hoje em dia tudo parece ser normal. A quem interesse saber se a vida que levamos é normal?
Quando estou contigo e tu se me dás, e eu me dou a ti também, considero que é uma anormalidade normal ou uma normalidade anormal? E o que é isso de normal e não-normal, ou mesmo anormal? Quem pode dizer o que é o certo e o que é o errado?
Se a vida normal for uma chatice, uma monotonia, uma adição de rotinas cansativas e desgastantes, então não quero ser normal. Por mais que eu seja, à luz de todos, uma pessoa normal, quase sempre anónima, ignorada na multidão, invisível aos olhos dos outros.
Só espero que aos teus olhos e no teu juízo, esta pessoa normal possa ser, pelo menos especial, única, isolada, proeminente, relevante. É isso que vamos procurando, é essa a base necessária para sermos normal, ou anormalmente, felizes um com o outro.

#069 Saber amar

Um dia vais ficar a saber. Prometo. Chegará o dia em que, sem que estejas à espera, vais ouvir da minha boca, finalmente, aquilo por que tanto anseias.
Sim, eu sei que há muito esperas que te diga que te amo, que te quero, que és o centro do meu mundo. Mas o que tu não sabes ainda é que és tudo isso e muito mais. Não lido bem com as oralidades, o frente a frente deixa-me desconfortável, as palavras não me saem como as quero dizer e a garganta não consente que exteriorize, que manifeste, que torne público o quanto te quero e te amo.
Sim, eu sei que não deveria ser sim. Deveria eu ser capaz de dizer com a mesma melodia com que escrevo...
Sabes que a escrita pode ter melodia na foma como ordenamos as letras e as palavras, no modo singelo como jogamos com a cadência do pensamento, na forma ordenada como lideramos o pensamento dos outros e os condicionamos para que encontrem as emoções que procuramos estimular e experimentem as sensações que quem escreve também está a sentir?
Sim, eu sei que tudo não passa de desculpas e que tu preferias que eu escrevesse menos sobre afetos e fosse mais generoso nos ditos, mais atuante ou, como se diz agora, mais proativo.
Sim, eu sei que um "eu também" é pouco quando o que recebemos é um sonoro e expressivo "Amo-te até ao infinito".
Um dia vais perceber que não te amo menos.
Um dia vais mesmo saber.
Nada menos do que isso. O difícil é que isso saia naturalmente de dentro de mim.
Quem sabe se é hoje que encontras a minha escrita dispersa pela casa, escondida nas gavetas onde a arrumo, juntamente com tantos outros pensamentos?
Seja como for, hoje ou depois, um dia vais ficar a saber

#068 Meço as Palavras

Meço as palavrasmeço o que digo, meço o que te digo. Não meço os sonhos. Os sonhos que eu sonho, a dormir ou acordado, são sonhos ilimitados, incontidos, repletos de vida. É esta vida imensa, intensa e com uma vasta paleta de cores, a vida que convida a viver numa torrente incontida de vida que brota como lava incandescente rumo ao mar.
Meço as palavras antes que me traiam e revelem o que não quero, o que não posso, o que não devo, antes que essas malditas palavras saiam e me atropelem. As palavras depois de ditas não podem ser retiradas do espaço que ocuparam, no tempo em que ocorreram.
Meço as palavras mas nunca os sonhos. Porque os sonhos são desmedidos, por vezes repetidos. Os sonhos são a arma letal com que derroto as angústias e incertezas de uma vida que nem sempre sorri e me brinda com boa fortuna.
Relembro os tempos, os bons tempos...
Eram os tempos em que em nós o sonho tudo permitia. Depois, sorrateiramente, quase sem avisar, vieram as palavras aprisionadas, as meias-histórias, o anuir por omissão, a ocultação do todo expondo apenas a parte que queríamos que fosse vista, sentida, apalpada, saboreada. Finalmente, veio o fosso cavado que marca a indelével impossibilidade de o destino perfeito ter podido concretizar-se. E, com isso, surgiu a resignação, a conformação. A paixão deu lugar à tolerância forçada, o desejo cedeu o seu espaço à habituação orgânica, sem transcendência.
Meço as palavras mas não escondo a tristeza e a frustração. Pudera eu voltar atrás e teria feito diferente. Teria dado mais e exigido menos. Ou teria dado menos e nada exigido. Hoje, nas palavras curtas em que pretendo ajustar contas com o passado, com o meu passado, o teu passado, o nosso passado, o legado que ficou lá atrás, sobre a nostalgia e a memória vívida da pureza desse tempo, esse tempo que não volta a existir, porque o tempo nunca volta, por mais que o tempo seja uma invenção do Homem e não da Natureza, numa vã tentativa de compartimentar a existência. O tempo que criámos e que é finito, desafia a infinitude dos sonhos que não meço e que sonho, a dormir ou acordado.
Meço as palavras. Assim tem de ser.