sexta-feira, 10 de agosto de 2018

#074 A minha andorinha Mafalda



Voa…
…livre, voa!
Cativa, prende o olhar. Mágica, num misto de admiração e hipnose, vejo-te dançar nos céus, rodopiar e mudar frequentemente de direcção, de modo brusco e, ao mesmo tempo, suave e doce. Vejo como o teu ser se eleva no espaço e como cantas e espalhas alegria e fico feliz por me brindares com a tua existência.
A tua formosura é uma graça divina; dizem que és uma enviada de Deus, essa entidade abstracta criada pelas pessoas para se aproximarem dos céus, esses mesmo onde tu habitas e de onde nos observas.
Viajas pelo espaço e permaneces em nós a todo o tempo. Olhamos para ti e sabemos que tanto estás aqui como amanhã vais para outro qualquer ponto do planeta, espalhar a boa sorte, inspirar as pessoas para o amor e seguir na tua diáspora sem fim. É essa a tua natureza. És livre. E voas. Ah… como eu gostava de saber voar, como acontecia nos sonhos de menino, em que bastava abrir os braços e o meu corpo se elevava e eu podia conviver contigo e com as tuas irmãs, e era tudo tão sereno e leve, fresco e suave, livre e prazenteiro.
Dizem as crenças que representas a luz, a fertilidade, a pureza, a metamorfose e a primavera. Não sei mas sei que sempre partes e sempre regressas.
Voa…
…livre, voa! Também tu, Mafalda, como a andorinha.
Deixamos-te ir mas pedimos que voltes. Queremos que sigas o teu caminho mas que nunca deixes de regressar. A tua casa. Ao teu ninho. A nós.

terça-feira, 24 de julho de 2018

#073 Nudez de alma


É aqui, no espaço da escrita, entre truques que já vou dominando e que me permitem deixar expressas algumas verdades absolutas e insinuadas outras tantas ou ainda mais, veladas e incapazes de naturalmente transbordarem e se auto-revelarem ejectando-se de mim, que me dispo perante o mundo e me exponho em nudez de pensamento e de alma.
No dealbar do meio século de vida ainda me parece incrível como sei tão pouco sobre o mundo. E sobre os outros. E sobre a vida. E sobre mim. E sobre a forma como permito ou não permito que o mundo me conheça e me observe, sem julgamentos, sem análises baseadas em ciências balofas e teorias da treta. Na verdade tudo pode ser simples. Tudo deveria ser simples. Tudo tem, por defeito, a sua forma de se encaixar no mundo. Não deveria haver espaço a intolerância, ódio, desprezo, vingança, julgamentos, rótulos. As convenções sociais, as normas de convivência em sociedade, os valores impostos pelas religiões, os conservadorismos atávicos, os dogmas que asfixiam, os juízos precipitados que mantêm aprisionadas almas livres, que nasceram para serem livres e para apenas se deixarem aprisionar por quem e pelo que querem, as incompreensões que cerceiam o melhor que há no coração de cada um, são a raiz de grandes problemas, desavenças, sofrimento físico e psíquico, depressões, suicídios, vidas normais falhadas…
Uma flor que germina, um pássaro que canta, uma criança que ri, um velho que exibe orgulhosamente as suas rugas repletas de histórias, um livro que encanta, uma música que exalta sentidos, um cão que pede um mimo ao seu dono, um filme que emociona, um riacho vigoroso que serpenteia vale abaixo, onde encontra um rio caudaloso e este cede imponência ao oceano repleto de vida e mistério, um corpo que nos faz vibrar, uma lágrima a pedir que encontre um ombro onde possa desaguar em alento, o refogado da nossa avó, a carícia da mãe e o abraço do pai, que ainda ontem nos ensinava a andar de bicicleta e a dar os primeiros pontapés numa bola, alheio à identidade que é só nossa, porque é individual, única, irrepetível, singular, seja lá em que sentido for.

Todos merecemos ter momentos de genuíno prazer, de sorriso e gargalhada, para contrabalançar com as lágrimas e azedumes, as dores e os sofrimentos, a doença e a fatalidade, a perda e a rejeição.
Isso não tem nada a ver com ser ou não ser mainstream. Isso não tem nada a ver com pré-concepções que conduzem a incompreensões caso o resultado seja o nosso “desvio” face à norma. Podemos ser clássicos e capazes de romper com as normas, cumpridores de deveres de cidadania e de civilização e ousar desafiar as convenções, viver dentro da sociedade e fora do padrão, obedecer a leis civis mas desafiar as da natureza. O resultado final que todos procuramos é a felicidade e essa pressupõe aceitação, integração, normalidade ainda que fora do conceito amplamente definidos como normais.
Eu acredito. E acredito que a vida só nos é dada uma vez, para ser vivida com sal e pimenta, açúcar e limão, azeite e vinagre, vinho e água, tudo a seu tempo. E que nesse ensaio fugaz sobre a vida temos de saber desempenhar o nosso papel, vestindo a nossa roupa e agindo com integridade, honra, orgulho e esperança.
Vamos deixar que a vida se ria de nós ou vamos rir com ela?
Vamos continuar na nossa zona de conforto ou vamos desafiar tudo e lutar por viver ainda mais felizes?

terça-feira, 8 de maio de 2018

#072 Meio Século, meia vida?

Este ano completo meio século de existência. Já os 50? Sim, parece que sim. Quando era miúdo, na inocência dos meus dias sem rotinas e sem responsabilidades, costumava ouvir os adultos dizerem para aproveitar bem a minha mocidade porque, em menos de nada, a vida passaria por mim, veloz e sem piedade. Na altura eu duvidava destes conselhos avisados e destas sábias palavras, talvez por inocência, talvez por apenas não ter de me preocupar com isso.
Havia toda uma vida pela frente. Imensa, quase infinita, por mais que sempre todos saibamos à partida que a vida tem um fim. Porém, à partida consideramos que esse fim ainda vem muito longe e a esperança de vida em pequenos tende para o infinito.
Quando eu era ainda um catraio de calções com peitilho, que fazia da cidade toda o seu quintal de diversão, metendo conversa com todos e com todas pelas ruas estreitas da cidade a que chamo e quero chamar “minha”, a doce e fresca Abrantes, as pessoas com 50 anos de idade eram velhas. Muitas eram mesmo já velhas. Há pessoas que nunca conheci novas e que me acompanharam durante mais de 40 anos, morrendo nos seus noventas, o que significa que quando as conheci, já velhas, eram da idade que completo este ano, mais coisa, menos coisa.
O que quero aqui afirmar é que não sou velho. Recuso-me a ser velho. Ainda sou o menino traquina que brincava pela cidade inteira, que passava as tardes de verão na velhinha piscina municipal, entretido pelas diabruras da mocidade e pela beleza da adolescência, onde a inocência dava lugar a atrevimentos ainda semi-inocentes mas onde fazíamos descobertas sobre o corpo, sobre a vida, sobre o futuro, sobre o cosmos e o universo, sobre a dimensão do mundo, que se abria e ampliava, sobre a liberdade, que se acabara de conquistar e havia que consolidar-se.
Viver os anos 70, 80 e 90 do século passado na infância, adolescência e primeira idade adulta foi um privilégio absolutamente maravilhoso.
E, no entanto, aqui estou eu, a menos de seis meses de passar a barreira do meio século, esperando que a vida, a saúde, a sorte e os cuidados me conduzam para mais outros 50, preferencialmente com saúde, de modo a poder assistir ao percurso dos meus filhos e dos meus sobrinhos, a poder ambicionar ter netos e mimá-los, a poder ainda dar carinho à minha mãe, pelo tempo que tiver de ser e a viver com nostalgia e saudade as memórias das vivências com todos os que já cá não estão e tanta falta me fazem. Pai…, sinto tanto a falta do meu pai. Caramba! Pudesse eu voltar atrás e havia tanto para lhe dizer. E aconteceu tanto que sei que o meu pai gostaria de ter visto. Quando o meu pai partiu, há 21 anos atrás, estava a meio da década após o seu meio século. Aproximo-me da idade que ele tinha. Espero que demore. Peço para que os dias andem de modo mais vagaroso. Quanto mais devagar eles andarem menos próximo estarei do meu fim, venha ele quando tiver de vir. Só espero estar preparado para lidar com o fim da minha existência e não ser um cobarde choramingas, um medroso acagaçado, um mariquinhas que não sabe lidar com sofrimento, dor e fim. Nunca estamos prontos, acho eu. Poder-se-á estar sereno a ponto de não termos medo de partir? Não sei. Não sei mesmo.
Ainda não é o tempo, ainda não é o momento, repito para mim estas frases convencendo-me de que se as for repetindo por vários anos e décadas, acabarei por não ter de ir. Mas todos temos de ir. E é tão normal que estes balanços sejam feitos por nós, de modo periódico, diria mesmo de modo higiénico, numa autoscopia muito necessária.
Este ano, no dia dos meus 50 anos completos, vou procurar juntar amigos e familiares, celebrar, conviver, recordar, rir, chorar, abraçar, ser abraçado, projectar memórias, lançar novos desafios, fazer balanços, desenhar novas metas, aferir o que já vivi, conquistei e dei de mim aos outros e à vida.

A vida pode ser breve – e é breve, de facto – mas enquanto por aqui andarmos, enquanto a saúde o permitir, enquanto a lucidez nos der alento, vamos continuar. E vamos tentar sempre extrair da vida a essência que confere aroma e sabor e cor e alegria e magia e amor e paz.

segunda-feira, 23 de abril de 2018

#071 Esquizofrenia ou bipolaridade latente?

Dou o que tenho e caso não tenha para dar atrevo-me a pedir. Para que possa dar-te e possa chegar para ti. Sou generoso, sou doce, sou leal, sou honesto, sou fleumático, sou genuíno, sou bruto, sou simpático, sou uma besta, sou um fofinho. Serei bipolar?
Estas questões do comportamento bipolar nunca me preocuparam até que há dias fui confrontado com a impreparação de pessoa amiga e chegada para me entender. Dizia esse meu amigo que eu flutuo muito e tendo a oscilar entre a generosidade diletante e a agressividade cáustica, corrosiva, imprimindo alternadamente um misto de mel com fel. Na verdade o que separa estas duas palavras é apenas uma letra mas é precisamente essa letra do alfabeto que, sendo uma simples alteração, transfigura todo o sentido da palavra.
Se calhar sou. Tenho de o admitir. Nem que para o admitir tenha de ser a única pessoa bipolar na minha escala de afetos e cumplicidades.
Por vezes basta um dia soalheiro, uma brisa morna ou o chilrear de um pardal, ou até apenas a mancha verde de uma paisagem ou o murmulhar das águas de uma ribeira, que corre incessante no seu vagar resiliente, tendo como destino final o mar, essa imensidão onde se confunde a vida com o negrume das profundezas, esse depósito de bipolaridade onde coabitam os corais com os tubarões vorazes, os cardumes que dançam água fora com as orcas, as oxigenantes algas com os plásticos e detritos gerados por esta Humanidade insensível e insensata.
E depois o bipolar sou eu?!?
Posso até ser mas, na minha ingénua e patética forma simples de ser, encontro comportamentos bipolares todos os dias, em quase todas as circunstâncias, provenientes de quase todas as pessoas.
Talvez isso não seja, afinal, bipolaridade. Nunca tive uma depressão mas posso estar triste e sentir-me transitoriamente deprimido. Posso estar contente e motivado mas raramente fico eufórico com os meus feitos. Creio que aqui está claro que não me acho, afinal, bipolar.
O meu cérebro e as sinapses que ocorrem no contacto interconectivo (título do blog) entre os neurónios que abundam em mim podem ter sofrido transmutações ao longo dos tempos. Mas não creio que seja bipolar.
No fundo, bem lá no fundo, o que eu quero é agradar-te, é dar-te o que tenho e o que não tenho. Mas se me irritares, tiro-te tudo e não te dou nada. Sou generoso mas posso e sei ser cruel. Lido mal com as injustiças e isso transfigura-me, leva-me para o pólo oposto da serenidade e da normalidade.
Afinal sempre oscilo entre o eufórico e o deprimido. A culpa não é minha: é por ti e por tua causa que me altero. Se calhar a minhã não-bipolaridade é falsa e quando sou bipolar talvez apenas seja a consequências dos estímulos, da reação a ti e às tuas atitudes e comportamentos. Posso amar-te tanto quando te posso desprezar. Posso querer comprar a lua para te dar e em seguida não pretender sequer ver-te. Mas quando quero e posso e sei que vou dar, dou o que tenho .
Sabes porquê?
Não?
Nem eu.
Há pouco sabia. Agora já não sei. Serei bipolar? Estarei a ser atacado pelo sacana do alemão que me rouba a lucidez? Será que ainda sei distinguir o que é real daquilo que é ficção ou realidade ficcionada? Já não tenho idade para esquizofrenias. Se calhar estou apenas a ficar paranóico. Mas a paranóia não é o mesmo que esquizofrenia? Ou uma decorrência desta?
Não, estou absolutamente bem. Sou apenas mais um cidadão normal deste mundo, que por ele vagueia com um propósito muito claro. Qual é? Bem, se calhar ainda não o defini e ele não será assim tão claro. Umas vezes é, confesso. Outras, nem por isso.
Será que sou bipolar, esquizofrénico ou apenas um estúpido e idiota chapado?
Ou será que sou apenas uma pessoa normal a pretender brincar com um assunto sério, a ludibriar quem me lê? Olhem, não sei. Afinal, qual foi o motivo para o início desta escrita?
Alguém me ajuda? Não, aqueles ali não, porque estão a olhar de lado para mim e um deles tem mesmo ar de quem me quer matar. Há tanta gente que me persegue. E eu não sei porquê. Sei lá eu o porquê...
E depois, aquele outro grupo ali, está-se mesmo a ver que são gente preconceituosa. Só porque tenho uma camisola de lã vestida e estou aqui sentado com 30 graus secos e sem brisa, já estão só a criticar-me, a tentar adivinhar o que vai na minha cabeça.
Não vai nada. Só vais tu, meu amor, sejas lá tu quem for. Sim, porque tu não existes, és apenas uma criação artificial da minha mente, um entretém para que eu esteja ocupado a fazer de conta que tenho uma vida normal e que existe alguém para quem eu dou tudo o que tenho e caso não tenha para dar atrevo-me a pedir. Porque nem só os outros podem ter vidas simples e normais. Eu também quero e quando quero muito, eu tenho.
Sou normal, não sou?

domingo, 22 de abril de 2018

#070 Vida normal, ou anormal?


A vida das pessoas normais, as pessoas que são mesmo normais, as pessoas que circulam na rua e são tantas vezes invisíveis, as pessoas comuns, como nós somos, não tem de ser normal. Muitas vezes não é mesmo, de todo. Repara em nós: somos pessoas comuns, somos frequentemente invisíveis na multidão, e temos entre nós dois tanto em comum, logo nós que somos ambos seres normais, diria mesmo normalizados; sabes seguramente do que falo.
A tua vida e a vida que existe em mim não são nada mais do que vidas banais e normais. O que nos distingue é a tua inteligência. Bom, na verdade é também a tua beleza física. Se for perscrutar adequadamente tudo em ti é melhor do que qualquer atributo físico ou intelectual meu. É por isso que te adoro. Porque és normal e, sendo normal, és tudo menos normal.
O que significa, já agora, ser-se normal? Quem tem a autoridade e a força para decretar o que é normal e o que não é normal? A quem foi investido o poder de decretar o que cai dentro e o que cai fora das normas?
O teu cabelo loiro, juntamente com os teus olhos verdes, os teus lábios carnudos, os teus seios leitosos e as tuas formas torneadas não são normais para mim mas são o teu normal e são a normalidade de muitas pessoas que, como tu, foram abençoadas com a perfeição do corpo. É normal que a beleza física seja mais relevante do que a beleza interior? É, isso sempre sucede no início das relações normais, que despertam com o desejo, o erotismo, a sensualidade e a consumação dos corpos que se fundem um no outro, com normalidade ainda que com intensidade ofegante, mesmo que em gemidos e sufocos, entre contorções e exalação de prazeres. Se isso for a anormalidade pois então que vivamos como anormais. Mas não, isso é a normalidade.
Tudo na vida das pessoas normais pode ser sintetizado a processos simples, normais. E, por mais que tenhamos dificuldade em descortinar a normalidade do outro e ela nos pareça tudo menos normal, havemos de normalizar os fenómenos.
Há uns anos a vida era toda mainstream. Tudo era feito de modo normal: os casais sentiam atracção, física, ou intelectual ou ambas, casavam, procriavam, trabalhavam, de pais ficavam avós e raramente ousavam pensar no lado mais oculto da vida: isso seria uma anormalidade. Hoje em dia tudo parece ser normal. A quem interesse saber se a vida que levamos é normal?
Quando estou contigo e tu se me dás, e eu me dou a ti também, considero que é uma anormalidade normal ou uma normalidade anormal? E o que é isso de normal e não-normal, ou mesmo anormal? Quem pode dizer o que é o certo e o que é o errado?
Se a vida normal for uma chatice, uma monotonia, uma adição de rotinas cansativas e desgastantes, então não quero ser normal. Por mais que eu seja, à luz de todos, uma pessoa normal, quase sempre anónima, ignorada na multidão, invisível aos olhos dos outros.
Só espero que aos teus olhos e no teu juízo, esta pessoa normal possa ser, pelo menos especial, única, isolada, proeminente, relevante. É isso que vamos procurando, é essa a base necessária para sermos normal, ou anormalmente, felizes um com o outro.

#069 Saber amar

Um dia vais ficar a saber. Prometo. Chegará o dia em que, sem que estejas à espera, vais ouvir da minha boca, finalmente, aquilo por que tanto anseias.
Sim, eu sei que há muito esperas que te diga que te amo, que te quero, que és o centro do meu mundo. Mas o que tu não sabes ainda é que és tudo isso e muito mais. Não lido bem com as oralidades, o frente a frente deixa-me desconfortável, as palavras não me saem como as quero dizer e a garganta não consente que exteriorize, que manifeste, que torne público o quanto te quero e te amo.
Sim, eu sei que não deveria ser sim. Deveria eu ser capaz de dizer com a mesma melodia com que escrevo...
Sabes que a escrita pode ter melodia na foma como ordenamos as letras e as palavras, no modo singelo como jogamos com a cadência do pensamento, na forma ordenada como lideramos o pensamento dos outros e os condicionamos para que encontrem as emoções que procuramos estimular e experimentem as sensações que quem escreve também está a sentir?
Sim, eu sei que tudo não passa de desculpas e que tu preferias que eu escrevesse menos sobre afetos e fosse mais generoso nos ditos, mais atuante ou, como se diz agora, mais proativo.
Sim, eu sei que um "eu também" é pouco quando o que recebemos é um sonoro e expressivo "Amo-te até ao infinito".
Um dia vais perceber que não te amo menos.
Um dia vais mesmo saber.
Nada menos do que isso. O difícil é que isso saia naturalmente de dentro de mim.
Quem sabe se é hoje que encontras a minha escrita dispersa pela casa, escondida nas gavetas onde a arrumo, juntamente com tantos outros pensamentos?
Seja como for, hoje ou depois, um dia vais ficar a saber

#068 Meço as Palavras

Meço as palavrasmeço o que digo, meço o que te digo. Não meço os sonhos. Os sonhos que eu sonho, a dormir ou acordado, são sonhos ilimitados, incontidos, repletos de vida. É esta vida imensa, intensa e com uma vasta paleta de cores, a vida que convida a viver numa torrente incontida de vida que brota como lava incandescente rumo ao mar.
Meço as palavras antes que me traiam e revelem o que não quero, o que não posso, o que não devo, antes que essas malditas palavras saiam e me atropelem. As palavras depois de ditas não podem ser retiradas do espaço que ocuparam, no tempo em que ocorreram.
Meço as palavras mas nunca os sonhos. Porque os sonhos são desmedidos, por vezes repetidos. Os sonhos são a arma letal com que derroto as angústias e incertezas de uma vida que nem sempre sorri e me brinda com boa fortuna.
Relembro os tempos, os bons tempos...
Eram os tempos em que em nós o sonho tudo permitia. Depois, sorrateiramente, quase sem avisar, vieram as palavras aprisionadas, as meias-histórias, o anuir por omissão, a ocultação do todo expondo apenas a parte que queríamos que fosse vista, sentida, apalpada, saboreada. Finalmente, veio o fosso cavado que marca a indelével impossibilidade de o destino perfeito ter podido concretizar-se. E, com isso, surgiu a resignação, a conformação. A paixão deu lugar à tolerância forçada, o desejo cedeu o seu espaço à habituação orgânica, sem transcendência.
Meço as palavras mas não escondo a tristeza e a frustração. Pudera eu voltar atrás e teria feito diferente. Teria dado mais e exigido menos. Ou teria dado menos e nada exigido. Hoje, nas palavras curtas em que pretendo ajustar contas com o passado, com o meu passado, o teu passado, o nosso passado, o legado que ficou lá atrás, sobre a nostalgia e a memória vívida da pureza desse tempo, esse tempo que não volta a existir, porque o tempo nunca volta, por mais que o tempo seja uma invenção do Homem e não da Natureza, numa vã tentativa de compartimentar a existência. O tempo que criámos e que é finito, desafia a infinitude dos sonhos que não meço e que sonho, a dormir ou acordado.
Meço as palavras. Assim tem de ser.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

#067 Reflexão de Ano Novo

A vida tem os seus mistérios e encantamentos e é tão fácil e tão célere alternar entre a euforia e a melancolia. Contudo, no balanço global posso dizer, sem reservas, que sou um homem realizado e cheio de contentamento, eternamente insatisfeito e, ao mesmo tempo, soberbamente complacente, cada vez menos reivindicativo.
Os anos trazem macieza no carácter, aragens brandas e burilamento das imperfeições e rugosidades da alma e do carácter. A sensação de completude nunca é perene, nem tampouco me sinto saciado ante o que a vida ainda me pode proporcionar no resto de tempo que ainda me conserve vivo.
Mas aceito, simplesmente. E existo, com a mesma aceitação humilde. Desejando a novidade a inovação. Mantendo a via verde dos sonhos sempre aberta para que cada amanhecer e cada acordar possam ser uma experiência desafiadora e refrescante. Apenas isso. E isso, parecendo pouco, é tanto e tão imenso.

#066 Regresso

Talvez volte. Talvez não. Quem sabe?