terça-feira, 9 de janeiro de 2024

#096 O canto da sereia - eleições para a AR 2024

Nos últimos dias, ao ver como a campanha eleitoral para a Assembleia da República vai, timidamente, começando, dei por mim a refletir. A campanha está a começar mal, num vazio de ideias e propostas efetivamente passadas para o lado dos eleitores, capazes de esclarecer, de trazer oferta de escolhas. Parece que estamos reféns de um modelo que não resolveu, não resolve e não resolverá os problemas de Portugal mas que, paradoxalmente, está a ser bem trabalhado e até aceite: melhor que o PS, só mesmo o (recauchutado PS) para resolver o que em 21 dos últimos 28 anos não conseguiu fazer: construir um Portugal de futuro, onde possa valer a pena viver, trabalhar e investir.

O teste do algodão é simples: basta perguntar aos jovens que saíram de Portugal na última década se ponderam regressar, continuando o país entregue aos mesmos políticos, às mesmas políticas e ao clima de promessas eternamente adiadas ao jeito de “agora é que é”. Quem saiu não vai encontrar impulso para regressar. Portugal está entregue a um país de pequeninos, com um vazio de líderes carismáticos, governado por um bando de profissionais que transitou das jotas para a vida dos adultos, com os vícios de sempre e as mentiras de sempre.


Mas isso os meus conhecidos ignoram ou pretendem ignorar.

É que, ao mesmo tempo que pensava no que acima escrevi, constatei também que alguns conhecidos, pertencentes à grande família a que chamo de “esquerda folclórica” revelaram algo que germinava como erva daninha, embora verde, viçosa, qual fluorescente. E têm vindo a conseguir vender erva daninha como girassóis ou mesmo gladíolos.

Alguns desses conhecidos que talvez nunca tenham lido um livro sobre ideias políticas, sobre a origem das diferentes ideologias, sobre os fundamentos e objetivos últimos das ideologias ou sobre a visão que as mesmas têm sobre aspetos e temas estruturantes da nossa sociedade e da construção da sociedade ideal, com primado para o Homem, revelaram um dogmatismo e uma intolerância que me deixou assustado. E com isso causam-me alguma irritação porque são como aqueles “músicos” que decoram os acordes mas desconhecem o solfejo, as claves, as notas musicais e a ciência que está por detrás das músicas que ouvimos e até sabemos assobiar.

Tenho lido coisas que não esperava, com recurso a coisas básicas. “Se és gay não podes votar na direita”, se “usaste o elevador social, deves isso à esquerda”, ou “a direita é contra os direitos das mulheres e em geral não gosta de pessoas”, ou mesmo ainda que “a direita quer privatizar a segurança social e o serviço nacional de saúde”. Isto tem ZERO de verdade, e zero de ideias políticas. E tem de ser combatido, com ideias e propostas que criem ressonância nos portugueses com algum nível de sensatez. Não é impossível, embora seja difícil, até mais porque com os anos de geringonça e PS sozinho, as pessoas se desabituaram de pensar, de questionar, de ver o mundo para além do pequeno quintal que é Portugal. E quando veem acham que “lá fora não é melhor”, nem que seja para usarem como auto-ajuda pela sua letargia em procurarem desbravar caminhos e mundos diferentes, para melhor, por comodidade, por procrastinação, por dormência cognitiva até. O mundo das redes sociais também contribuiu para esta asfixia intelectual e hoje mesmo li algures que os jovens contemporâneos raramente leem um livro, o que me leva a concluir que não se preocupam com as mesmas causas com que eu e as gerações antecessoras nos preocupávamos; e que isso levanta sinais de alerta e requer medidas para evitar o colapso da “crítica” que subjaz à condição humana – a crítica reflexiva, a crítica que leva a novas reflexões e a novas propostas e a novas respostas para os problemas de hoje e de amanhã. E é na dicotomia entre o “bom” e o “mau” que os mais ilustres pensadores, filólogos e filósofos concentraram os esforços da sua obra. A esquerda não é dona da moral pública. Nem a direita o pode permitir. De resto, e recorrendo a Friedrich Wilhelm Nietzsche (que a maioria apenas conhecerá de nome) todos temos a obrigação de promover a “busca da verdade de uma forma imparcial”.

A direita moderada portuguesa, com sólidos valores éticos, com grande pendor sobre as questões sociais, que procura o equilíbrio justo e complementar entre público e privado, que acredita na meritocracia, que combate a apropriação de bens e rendimentos apenas com base na cobiça, inveja e desprezo com a esquerda radical trata quem empreende (e que o PS mais à esquerda igualmente representa) não pode ter medo de dizer ao que vem. Deve apresentar as suas propostas, as suas ideias, deve evitar ir na ladoínha da comunicação social e da esquerda folclórica que quer discutir se vai ou não fazer coligação com o Chega; deve ter o poder de marcar a agenda, ignorar os ataques da esquerda nervosa e fazer crescer a sua base de apoio, com ideias, com propostas exequíveis, com metas atingíveis, com realismo, sem demagogia, sem ceder à beleza plástica de algumas das propostas que a esquerda sempre inventa e cria para fazer o seu “canto das sereias”, que Homero, na epopeia grega da Odisseia tão bem descreveu. É, portanto, uma estratégia milenar, a de criar logro para com isso obter vantagem sobre outrem.

Os anúncios de aumentos de salário mínimo devem ser compensados com as propostas para aumentar o salário médio e proporcionar melhores condições de vida para a classe média. As promessas de retirar da pobreza milhares de cidadãos deve ser complementada com as medidas que vão galvanizar o empreendedorismo e a valorização do mérito. A defesa da escola pública deve ser acompanhada da defesa do papel complementar a dar pelos prestadores do setor privado, social e cooperativo. E o mesmo na saúde.

A direita moderada deve ser capaz de se isolar do ruído das verdades absolutas da esquerda. Não deve ter medo de ter voz própria. Não deve deixar que a esquerda venda ilusoriamente que a solidariedade social e inter-geracional, o direito à habitação condigna, o serviço nacional de saúde (e o sistema de saúde onde os privados também têm lugar), a escola pública (com o apoio dos privados), a para com a segurança interna, a defesa nacional e a ambição internacional, são património comum dos portugueses – não são a quinta privada de nenhuma esquerda, mais ou menos reacionária.

A tarefa é difícil, mas é à direita moderada, na qual me incluo, que cabe o papel de combater, no respeito pelas regras da democracia, este abuso, esta usurpação, este confisco também ideológico, programático, societário, que a esquerda está a quer fazer.

Faço a minha confissão: alicercei a minha crença na social democracia ao ler Eduard Bernstein, político e teórico político alemão que viveu entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Acredito no impulso reformista e, não só rejeito, como combato a via revolucionária, nos termos em que Mark e Engels a teorizaram. E acredito que o reformismo na sociedade não é incompatível com o capitalismo regulado e o liberalismo económico. Talvez tenha sido esta a receita para que PSD e PS tenham trilhado caminhos diferentes após o 25 de abril. Talvez tenha sido que ditou a minha postura em sociedade. Nunca tive tudo o que desejei, mas também nunca me faltou o mínimo essencial para me realizar e ser feliz. Sou inconformado e trabalho para ser melhor pessoa e viver melhor, sem desejar que para eu ter outro qualquer homem ou mulher tenham de abrir mão do que é seu.

Dito isto, vou continuar a acompanhar a campanha e as posturas dos meus conhecidos. Mas pelo menos já fiz a minha autoscopia e vou ter o cuidado de lhes dar pouco crédito e defender mesmo aquilo em que acredito. Como sempre procurei fazer. E como sinto que é meu dever.