Nunca o tinha compreendido na plenitude. Nunca. Ainda nunca tinha compreendido porque é que é tão verdadeiro o axioma que refere que "quem não sabe gerir expetativas sobre a vida, não consegue ser feliz". Ouvia, repetia mas não compreendia na totalidade, se calhar por nunca ter refletido amadurecidamente sobre o assunto.
Nunca antes e nunca mesmo até ter concluído (se é que isso alguma vez sucede?!?) este processo de aprendizagem, o qual requer resiliência, rigor, aceitação, auto-comiseração, auto-elogio, autoscopia equilibrada sobre as forças, fraquezas, defeitos e ameaças, também sobre os nossos próprios traços de personalidade mais vincados, sobre a generosidade e a dimensão da vida, olhando para os atributos de abnegação e abstração, de reflexão e pensamento, de crítica e auto-crítica, de apelo ao ego e desprendimento pelo orgulho, tudo paradoxos e paralelos, ora simples, ora complexos, mas todos eles necessários para um conhecimento mais pleno sobre o "eu" e os "outros", o "in" e o "out".
A nossa personalidade (também a identidade) depende de diversos fatores: da nossa biologia, da nossa educação, da sociedade em que crescemos e na qual nos formamos, da nossa família com as inerentes interações, da complexidade da rede de relações com os outros, das competências adquiridas ao longo da vida, seja em sistema de ensino, seja no meio profissional e social, dos momentos de fruição, até da solidão e da companhia, do riso e das lágrimas, do prazer e da dor. Mas, agora o sei, eu posso influenciar o rumo da minha vida, eu posso ser o agente mais decisivo na gestão do meu equilíbrio, eu consigo ser dono de muito do que é o meu presente e da construção do meu futuro. Faço-o, ou posso fazê-lo, pelas minhas convicções, pelas minhas escolhas, pelas minhas atitudes, pelas minhas experiências de sucesso e de erro, pela minha auto-crítica.
Quando temos expetativas altas e elas não se concretizam, surge a desilusão. Se, pelo contrário, nada esperarmos ou esperarmos pouco do mundo que nos rodeia, do nosso exterior e, de repente, algo de bom nos aparece no quotidiano, interrompendo as rotinas e a bonomia própria da zona de conforto que criamos e onde nos aburguesamos, mesmo que seja quase insignificante, sentimos felicidade, realização, contentamento e até, em certos casos, plenitude.
Quer isto dizer que o ser humano consegue viver sem gerar e gerir expetativas? Não, de todo. Quem não as gera também não sei se vive ou se apenas sobrevive.
Ter sonhos, ter projetos, ter esperança, ter expetativas de algo que ainda não aconteceu e desejamos para nós e para os nossos, faz parte da vida do ser humano, diria mesmo que é inerente à condição de sermos pessoas.
Mas aprender a gerar e a gerir expetativas é crucial. É necessário. É fundamental. Temos desilusões porque antes tivémos ilusões. Temos de aprender a viver menos iludidos e com os pés mais na terra, sonhando sim, imaginando um futuro risonho, saudável e longo, mas em que nós sejamos o motivo mais importante de nos auto-inspirarmos. Temos de contar com o apoio dos outros, mesmo que seja um "outro especial" mas, acima de tudo, nós contamos connosco. Nascemos sozinhos e morremos sozinhos. É este o nosso fado. Pelo meio juntamos pessoas e episódios, e experiências, cores, sabores, aromas, nuances relevantes mas não são parte de nós - são complementares à nossa existência e à nossa vida.
A vida é um mistério.
A vida é uma dádiva.
A vida é uma odisseia.
A vida pode ser deliciosa.
A vida é um percurso de constante aprendizagem. Nunca cessamos de obter lições de vida que a vida nos oferece. Por vezes com dor produnda, agonia, sofrimento, perda. Nem sempre, contudo.
Quando te conheci criei elevadas expetativas. Eras o meu "novo mundo", um universo de possibilidades, exponenciadas por potências que as galáxias até nunca conheceram, num apogeu de sonhos idílicos e vida eterna repleta de magia, encantamento, felicidade, alegria, prazer de viver, prazer como nunca até então algum ser humano pudesse ter sentido. Quis dar-me. E dei-me, dei-me até quase me diluir, até quase deixar de ser eu o mais importante na minha vida. Dei-me como me dou aos meus filhos, pelos quais dou a minha vida, de tal for necessário.
Esperei de ti tanto como estava disposto a dar. E dei até sem esperar porque dar era o que fazia sentido, porque sempre acredtei que quem ama não nega esforços e não regateia afetos, mesmo que lá no fundo estejamos sempre todos na esperança de reciprocidade.
E esperei, esperei, esperei, continuei a esperar e até desesperei em certos momentos de desnorte e ausência de satisfação com o rumo da nossa relação. Não foi fácil esperar sempre pelo mimo extra que não chegava, a espontaneidade do "amo-te" que não surgia e só surgiu muito tempo depois, vagamente repetido, em espaçamento temporal que magoava.
Senti dor, senti aperto, senti desamor até.
Nasceram em mim, talvez infantilmente, as suspeitas de um amor não correspondido, de estarmos juntos porque eu era o melhor que, na altura, podias ter, mas sem nunca te entregares por completo, sem nunca eu te sentir meu na plenitude, sem nunca me encheres de motivos para não ter motivos distintos de receio, suspeições de perda, sensação de não-exclusividade na tua vida.
Senti o chão fugir-me de debaixo dos pés e questionei-me sobre os motivos de querer continuar a persistir, neste registo de amor resiliente e de luta pela felicidade, a teu lado.
Fiz asneiras pelo meio, fraquejei, cometi disparates, quis amar-te menos e, para isso, tive de preencher a vida com outros interesses e outros momentos.
A vida corre, contudo, sempre, imparável, o seu curso. E serenei. E tentei compreender a vida, compreender-te, compreender-me.
E cheguei a esse ponto de ter a certeza do meu amor por ti, não por ti mas sim por mim. E percebendo quão complemenares podes ser na minha vida - e eu na tua - sem que volte a criar falsas e exageradas expetativas sobre o "nós", sobre o 1+1 sermos 1. Não, seremos sempre 2 e isso é perfeitamente normal.
Nesse processo refleti incontáveis vezes sobre as expetativas, concluindo que talvez as tenha colocado, erradamente, por infantilidade ou pueril generosidade excessiva, muito elevadas. Mas como poderia não o ter feito se tu eras o mundo que eu sempre tinha querido encontrar ou descobrir, e agora estavas ali à minha mercê e tudo o que tinhas de fazer era amares-me na mesma medida em que eu já te amava? Parecia-me tão simples. Tudo fazia sentido porque eu queria que tu fosses como eu sonhava que serias.
A vida não é como a desenhamos, é como nos surge, como ela quer, ou como ela pode ser. As circunstâncias ditam muito sobre a vida, o seu rumo, o destino onde chegamos e o caminho que fazemos até ao ponto de chegada - que é o ponto final, o do último suspiro vital.
Somos o nosso ser e a nossa circunstância, já o dizia Ortega y Gasset.
E a tua circunstância era a existência de um amor maior antes do meu. Um amor vivo numa relação terminada, com cicatrizes marcadas e que ainda hoje sinto existirem. Já são quase invisíveis mas, num zoom ao detalhe, elas estão lá. Vives sem lhes dar atenção e encontraste um "novo normal", uma nova zona de conforto, mas não há forma de as eliminar. São as marcas do teu passado.
Eu não sei, nunca o saberei. Mas haverá razões para não saberes, não conseguires ou pretenderes ser o homem doce e generoso que estavas destinado a ser ao teu anterior amor.
Talvez quando nascemos sejamos creditados com o nosso saldo de afetos e mimos e atenções, e palavras doces e surpresas para o outro, talvez...
Uns terão um crédito maior, e outros menor. Mas todos seremos creditados com um saldo, quero eu acreditar. E tu escolheste gastar esse saldo no amor maior, aquele que veio antes de mim. E eu poderia sentir-me mal com isso, e senti no passado. Mas já não sinto. Porque não me sinto inferior em nada e, para além disos, tu não tens culpa de teres tido um amor maior do que o meu antes de eu ter surgido na tua vida, em momento quase simultâneo, no espaço e no tempo, com a dissipação desse amor, ainda por cima, uma rotura que tu nunca desejaste e com a qual nunca sequer sonhaste, pois se até te mudaste fisicamente para a capital para poderes ser feliz com esse teu amor... que não te quis, no final.
Não se pode competir com um fantasma.
Tive de me abstrair de tudo o que me afetava e de reposicionar as minhas expetativas.
Então, só então, percebi que o problema estava em mim. Na dor que sentia nas alturas em que me identificava como tua segunda escolha, no quanto queria que me amasses tal como tinha planeado, no quanto queria ser correspondido na exata forma em que eu doentiamente te amava e dependia de ti, na forma como não valorizavas o facto de me ter dado por inteiro e ter-te consagrado todo este amor. E ainda amo, amo de verdade, com maturidade, com serenidade, sem luta interior, sem necessidade de cobrar, sem medo de dar mais do que recebo, se isso acontecer esporádica ou continuadamente. Isso já não importa, já não estou em competição com nada, nem com ninguém, nem sequer com o fantasma do teu anterior amor, nem tão pouco com os meus devaneios de compensação de afetos. Aprendi a conhecer-te e ajustei as minhas expetativas.
Hoje não espero mais de ti do que aquilo que sinto que me podes dar. Não espero. E não me queixo. Encontrei na escrita, na leitura, na música, no exercicio fisico e até na pintura os momentos de reequilíbrio emocional que me permitem continuar lúcido. E aprendi a gerir, até a gerar em certa medida, as minhas expetativas contigo. Continuo feliz porque espero menos. Se calhar até estou a conseguir ser mais feliz e estou confortável. Se não estivesse, ou se um dia vier a não estar, ou se surgir inesperadamente algo ou alguém que me faça estremecer como estremeci quando te beijei pela primeira vez, quero acreditar que estou preparado para resistir.
Uma coisa boa que as expetativas baixas também provocam, inevitavelmente, é o maior desprendimento. Sei que não és minha propriedade, que não posso reivindicar o que nunca foi meu, que não posso exigir receber o que gostaria de poder receber.
E sei que isso é válido para ambos.
Como na primeira vez em que entraste num navio de cruzeiro e ficaste alojado num quarto que preencheu e até excedeu as expetativas, adoraste a experiência e a vista de mar que tinhas, assim são as relações. Numa segunda viagem, o quarto até podia ser mais espaçoso mas tu tinhas adorado era o primeiro e a vista que tinhas lá dentro, com a companhia que estava lá contigo.
Aos poucos foste criando o hábito e as rotinas no novo quarto, com a nova companhia mas, de vez em quando, a saudade e a nostalgia remete-te para o primeiro quarto, aquele que será para sempre o primeiro e especial.
E gerir expetativas e saber viver bem no contexto da vida dos afetos é saber compreender e aceitar tudo isto.
E aceitar que, de vez em quando, temos de ajustar a forma como estamos inseridos no mundo e agimos nele.
E é por ter sido capaz de chegar a este estadio, de forma lúcida e consciente, que hoje me sinto mais feliz e mais completo.