Natal mais restrito – assim será o meu. E diferente do que a maioria das pessoas que conheço celebra.
Não quero criar polémica sobre os valores que me invadem
neste natal, mas aquilo que sinto é o que a seguir partilho. Da mesma forma que
respeito quem celebre o natal com todo o significado religioso, cristão,
católico, sei que a minha forma de ver o mundo será respeitada, com a
tolerância que a diversidade e pluralidade de opiniões requerem e convocam.
Desde sempre a época natalícia era, para mim, sinónimo de
viver a religiosidade com alguma intensidade e, sobretudo, em família alargada.
A casa enchia-se de primas e, por vezes, também do primo único que existe do
lado da minha mãe, fosse em Abrantes ou em Lisboa, com os meus pais e os meus
tios unidos pelos laços fraternais, que se estendiam aos mais novos – nós, os ‘miúdos’,
como sempre fomos apelidados até já sermos adultos crescidos. E era bom assim.
Gente a celebrar, algazarra, sorrisos, gargalhadas, abraços, abertura de
presentes, encenação da existência do Pai Natal para os mais pequenos. Algumas
vezes até íamos à ‘missa do galo’, embora nem todos fossem já católicos
praticantes – mas era assim a tradição e havia esse respeito pela fé dos mais fervorosos
crentes no seio da família. O elemento aglutinador era a nossa avó materna.
Depois, no seio da minha família, sem a minha avó e também
sem o meu pai, precocemente falecido, em casa da minha mãe, com filhos, sobrinhos
e cônjuges. Continuava a ser casa cheia, mas cada vez menos a celebração do
nascimento do filho do deus comum aos cristãos.
Este será o primeiro natal sem que nenhum dos meus filhos
faça a ceia comigo. Lamento a situação, por motivos mais que compreensíveis das
vidas pessoais e profissionais de ambos, e não existe drama algum nisso –
apenas algum pesar, mas a certeza de que em 2026 poderá (e deverá) ser
diferente. Sei que também eles lamentam e gostariam que pudéssemos estar todos
juntos, como sempre, nos dias 24 e 25, assim como nos dias que precedem e nos
que sucedem a essas datas.
A vida é pródiga na sua capacidade de nos colocar perante
novas perspetivas, contextos e realidades.
O meu afastamento de qualquer forma de religiosidade foi
gradual, mas constante. Hoje encontro-me mais perto do estado de ateísmo do que
de agnosticidade. Se o ateu nega a existência de qualquer Deus e não acredita
em Deus, já o agnóstico desconhece se ele existe ou não, considerando-o indemonstrável,
embora admita a sua eventual existência (tem dúvidas, não conseguindo saber com
total convicção).
Tudo o que hoje sei me coloca nesta dimensão de
insignificância sobre a origem do Universo, a sua dimensão, a sua evolução. E
tudo isso me diz que não existe Deus e que este foi uma invenção da Humanidade
para procurar encontrar justificação para o que não entende. Mas não me esvazia
de moral, de humanidade, de ética, de saber distinguir o bem do mal, e de
preferir aquele sobre este.
Por isso, neste Natal não irei celebrar o nascimento de
nenhum filho de Deus (igualmente por provar que terá existido, pois não há um
único relato escrito na contemporaneidade da sua eventual existência), mas isso
não me impede de dar um significado especial a esta época festiva.
Como tenho tido oportunidade de partilhar, leio, reflito,
interrogo-me, questiono-me e vivo uma vida muito recatada, porventura mais do
que a da maioria das pessoas na minha idade. Em Lisboa, em Abrantes (menos agora),
em suma, no Continente, cumpro uma missão: servir o SNS e ser co-cuidador da
minha mãe, que tanto fez por mim, pelos meus irmãos, pelos meus filhos e pelos
meus sobrinhos. Dedico uma parte significativa dos meus dias a trabalhar em
Santarém, a ir a Belém (a nossa, de Lisboa) visitar a minha mãe, a ir ao
ginásio ou a ver a minha filha e, esporadicamente, os meus familiares mais
chegados, não me sobrando muito tempo para receber amigos ou para os visitar.
Por um lado, deixei de receber pessoas em casa e, por outro, caí no esquecimento
de muitos. Apenas penso nesta rotina e no momento de me escapar para os Açores,
para a Ilha Terceira.
Não há nesta constatação, que aqui partilho, nenhum azedume,
ou queixume. Criei esta situação e esta condição, e sou bastante “monástico” no
meu quotidiano e no meu modesto palácio de um sexto andar arrendado há uma
década em Lisboa, sem grande necessidade de procurar outras experiências, outras
vivências para além das descritas, ou mesmo outras pessoas. Todas as que me
fazem falta aqui, no Continente, estão cá e vejo-os quando posso, uns mais que
outros, sem necessidade de estar sempre a contactar tudo e todos, entre família,
amigos, colegas e ex-colegas.
No meu outro mundo, na Ilha Terceira, sou uma pessoa mais
social, tenho a vida mais preenchida, em todas as suas dimensões: sou mais eu e
mais feliz, porque sou mais inteiro e mais pleno. O que me falta aqui tenho lá,
embora saiba que lá também sentirei falta de muito do que tenho aqui.
Sei que um dia, mais cedo ou mais tarde (preferencialmente
mais cedo do que tarde, antes que se faça tarde, como já referi mais que uma
vez), para lá irei, porque lá está uma parcela muito grande do que preciso para
ser feliz. Tenho projetos profissionais e de vida pessoal no meio do oceano. E
gente muito boa à minha espera, para criar novas memórias e procurar seguir o
meu caminho, há muito escolhido.
Espero estar lá e vir cá, mais do que estar cá e ir lá.
E haverá – espero eu – mais natais polvilhados com
gargalhas, abraços, alegria, afetos e sonhos partilhados, uns lá, outros cá. Mesmo
que o significado do meu natal seja mais de partilha de afetos e celebração da
vida que tenho e que quero ter, com todos aqueles que dão cor aos meus dias, mais
do que a celebrar o nascimento daquele que, para muitos, foi o messias, o salvador,
o filho de deus.