quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

#099 O ritual anual do Natal: uma reflexão

 

Ano após ano cumprimos o ritual de celebrar o Natal.

O que é que celebramos, cada um de nós? Há os que celebram o nascimento do menino Jesus, por pouco provável que seja Ele ter nascido numa gruta, despido e em palhas deitado, mais a mais com o frio que se faz sentir nesta altura do ano, embora se saiba hoje que naquela altura as temperaturas fossem um pouco mais elevadas na região do Levante, depois do fim do “Dryas Recente” e no rescaldo da Idade do Bronze, ainda considerado período Holoceno, embora já na última das suas cinco cronozonas.

Por essas alturas havia razões para a prosperidade e o florescimento de civilizações, como pode ser compreendido neste magnífico documentário de duas horas e meia, disponível no YouTube.


Assim, lá terá nascido o menino esperado por alguns, anunciado como Messias e Salvador, ainda que tenha nascido Judeu, filho de mãe judia, e frequentasse a sinagoga, onde aprendeu com os mestres e onde se afirmou como pregador. Este “impecilho” ainda hoje persiste na fissura entre católicos e judeus. O “rabino” Jesus frequentava o Templo de Jerusalém e pode, aos olhos de quem hoje analisa a história, ser considerado um dissidente, que acabou por agregar em torno de si apóstolos, fiéis e crentes, para que a sua Doutrina se afirmasse, de modo autónomo, pelos séculos afora, mesmo que nos primeiros dois séculos de “discípulos de Jesus”, a pregação se fizesse nos mesmos templos do Judaísmo, pois a separação entre estas duas religiões não era ainda evidente. Parte do que afirmo pode ser encontrado, de forma sintética, num belo artigo de Henry Sobel. De resto, é mesmo Jesus a causa deste diferendo: se para uns o anunciado Messias já se fez anunciar, outros ainda aguardam esse momento e negam que Jesus seja o Salvador anunciado na Tora. Mas também é esta ligação que legitima o Cristianismo entre as religiões Abraâmicas.

Aqui chegados, o que é o Natal?

De uma forma simples, é um período de tempo do ano em que estamos mais dispostos a conviver com intensidade, celebrando a união, a partilha, o amor e a fraternidade. Mesmo os não-crentes em divindades, nos quais orgulhosamente me incluo, celebram o Natal com os mesmos valores. O Natal é, para uns, o cumprimento de obrigações ritualistas impostas pelo seu credo religioso, pela fé e pelos dogmas. E há que respeitar isso, assim como esses, que vivem o Natal com tal intensidade, devem respeitar quem viva o Natal de forma diferente, agnósticos ou ateus, até mesmo de outras confissões religiosas.

O Natal é já, hoje em dia, mais do que a celebração do nascimento do “Rei dos Judeus”, como se encontra inscrito na cruz que representa o seu passamento, na Páscoa.

Para uns é sinónimo de negócio, para outros de esbanjamento, desperdício, fartura irracional, hipocrisia social, entre muitas formas de ver, consoante o prisma de observação.

Para outros é recolhimento, reflexão, partilha, dádiva, ações em prol dos nossos e dos que mais precisam de um apoio desinteressado e altruísta, de uma palavra de conforto ou apenas de melhor compreensão para as causas e consequências da exclusão de uns em benefício de outros.

Para mim é sempre uma oportunidade de refrear a intensidade dos dias, a azáfama profissional, o lufa-lufa com que somos empurrados para a torrente das obrigações quotidianas e de, na pausa da regrefa, ser capaz de amar os meus, dar abraços e sorrisos, partilhar as certezas e as dúvidas, ajudar e estar presente, com “tempo de qualidade”.

E é também projetar o novo ano civil, os novos desafios pessoais e profissionais, individuais e coletivos, traçando novos planos e definindo novos rumos. E, com isso, é renovação, é revitalização, é um novo nascimento. Nessa medida, cumprimos todos o ideal da natividade, porque se é verdade que só se morre uma vez, podemos nascer e renascer várias vezes ao longo da vida.