A mim é viver, amar, conviver, partilhar, dar e receber,
criar memórias, ter boas experiências, brincar, ler, escrever, ouvir música,
estar em movimento, satisfazer a curiosidade intrépida do conhecimento,
brincar… Mas tudo isso implica afetos e libertação de endorfina, serotonina,
dopamina e ocitocina, esses fatores que desempenham vários papéis importantes
no cérebro e no organismo.
Preciso de sorrir e de rir. Preciso de ficar triste e chorar. Preciso de deprimir e ressuscitar como a Fénix que idealizamos e sabemos ser apenas ficcionada.
Preciso de ingerir a vida em golfadas profundas e intensas, quase texturadas. Podemos tatear a vida, sentir o seu paladar, ingerir os aromas da natureza, visualizar as cores e as nuances que traçam ténues fronteiras quase indizíveis e impercetíveis aos nossos olhos, ouvir as vozes telúricas e acolher os silêncios do que não se descortina com nitidez. Por vezes o silêncio é tudo aquilo que nos preenche, porque é um vazio com significância e potencial de gerar reflexão, introspeção, autoscopia.
Preciso de amar sem condições e sem restrições, sem medos e
sem aprisionamento, sem culpa e sem vício de carácter. Preciso de amar, mas
também preciso de me sentir amado. Não se pode dar sempre sem receber nunca,
nem sequer recendo de modo abissalmente assimétrico. Não são meras palavras, porque
as palavras são apenas a mistura de letras e espaços vazios que pouco
significam se forem apenas a conjugação de sons guturais sem expressão afetiva
e sem consequência direta no nosso dia a dia, quantificável em beijos, abraços,
sorrisos cúmplices, cumplicidades criadas, intimidades exploradas e plena
integralidade do ser.
Preciso de sentir que o amor que dou, tal como o que recebo,
é gratuito, desinteressado, generoso, altruísta, inteiro, íntegro, autêntico,
por vezes sem noção de medida ou sem expetativa de finitude.
Preciso de sentir que sou um ser irracional nos afetos e nas
emoções, entre os intervalos que concedo à racionalidade exigida pela vida e
pelos desafios do quotidiano. Mas ser irracional é importante, sobretudo nos
afetos e nas emoções. Não medir o que damos, não quantificar o saldo entre dar
e receber, não ficar obcecado com essa eventual assimetria, não fazer a nossa
felicidade desse detalhe, por mais relevante que ele possa parecer. O amor é,
por definição, irracional. Quando amamos alguém percebemos que o amor é mesmo
irracional e que quanto amamos e nos apegamos a alguém que faça sentido na
nossa vida, tudo o resto faz pouco ou nenhum sentido! O sentido da vida vem dos
afetos, das emoções, da simbiose entre pessoas que se auto-vinculam porque isso
proporciona retorno em satisfação. Por isso não devemos racionalizar o amor e
os afetos. Damos de nós, porque a dádiva conduz a satisfação, por vezes apenas
por constatarmos que fazermos a diferença na vida de alguém. O amor não se
cobra, não se pede, não se mendiga. Apenas se sente… ou não será amor!
Porque amamos e sofremos no amor e, ainda assim, insistimos
em resistir persistindo no domínio dos afetos, nós os crentes de que tal
sentimento é irracional? Porque está na nossa natureza. Quem procura escamotear
esta realidade e atribuir critérios de racionalidade aos afetos é porque não
ama de verdade.
Amar é uma não-condição, uma in-condição, porque amar é
incondicional e pode ser incontido, esmagador, tomando posse do nosso ser a
ponto de o tornar vulnerável e precário.
O amor é tudo isso. E pode até ser mais, porque as palavras
me faltam.
O amor é leve e tem peso, é desinteressado e mantém-nos
aprisionados voluntariamente, é dia mas também se sente na noite…
Mas não é eterno. O amor precisa de ser cuidado, estimado,
valorizado, prezado. Quem se esquecer de amar desta forma acaba por perder o
amor que sobre si impendia, depois de perder a capacidade de amar.
Por isso sei hoje que o amor é uma construção permanente,
inacabada, que nos deve desinquietar sempre, de modo a que não percamos a
capacidade de amar e para que não sejamos sujeitos ao vazio que sentimos quando
os atos da outra ou das outras pessoas (amor com pendor sexual, ou amor filial
e por amigos) são vazios de afetos, racionais, racionalizados, ponderados,
medidos, doseados, o que nos empurra para uma espiral negativa de circulo
des-virtuoso que termina na mais pobre miséria do cemitério dos afetos perdidos,
alguns irremediável e eternamente.
Preciso de amar para ser eu, para ser gente, para existir,
para me sentir feliz, vivo e completo.