Este ano completo meio século de existência. Já os 50? Sim,
parece que sim. Quando era miúdo, na inocência dos meus dias sem rotinas e sem
responsabilidades, costumava ouvir os adultos dizerem para aproveitar bem a
minha mocidade porque, em menos de nada, a vida passaria por mim, veloz e sem
piedade. Na altura eu duvidava destes conselhos avisados e destas sábias palavras,
talvez por inocência, talvez por apenas não ter de me preocupar com isso.
Havia toda uma vida pela frente. Imensa, quase infinita, por
mais que sempre todos saibamos à partida que a vida tem um fim. Porém, à
partida consideramos que esse fim ainda vem muito longe e a esperança de vida
em pequenos tende para o infinito.
Quando eu era ainda um catraio de calções com peitilho, que
fazia da cidade toda o seu quintal de diversão, metendo conversa com todos e
com todas pelas ruas estreitas da cidade a que chamo e quero chamar “minha”, a
doce e fresca Abrantes, as pessoas com 50 anos de idade eram velhas. Muitas eram
mesmo já velhas. Há pessoas que nunca conheci novas e que me acompanharam
durante mais de 40 anos, morrendo nos seus noventas, o que significa que quando
as conheci, já velhas, eram da idade que completo este ano, mais coisa, menos
coisa.
O que quero aqui afirmar é que não sou velho. Recuso-me a
ser velho. Ainda sou o menino traquina que brincava pela cidade inteira, que
passava as tardes de verão na velhinha piscina municipal, entretido pelas
diabruras da mocidade e pela beleza da adolescência, onde a inocência dava lugar
a atrevimentos ainda semi-inocentes mas onde fazíamos descobertas sobre o
corpo, sobre a vida, sobre o futuro, sobre o cosmos e o universo, sobre a
dimensão do mundo, que se abria e ampliava, sobre a liberdade, que se acabara
de conquistar e havia que consolidar-se.
Viver os anos 70, 80 e 90 do século passado na infância,
adolescência e primeira idade adulta foi um privilégio absolutamente
maravilhoso.
E, no entanto, aqui estou eu, a menos de seis meses de passar
a barreira do meio século, esperando que a vida, a saúde, a sorte e os cuidados
me conduzam para mais outros 50, preferencialmente com saúde, de modo a poder assistir
ao percurso dos meus filhos e dos meus sobrinhos, a poder ambicionar ter netos
e mimá-los, a poder ainda dar carinho à minha mãe, pelo tempo que tiver de ser
e a viver com nostalgia e saudade as memórias das vivências com todos os que já
cá não estão e tanta falta me fazem. Pai…, sinto tanto a falta do meu pai.
Caramba! Pudesse eu voltar atrás e havia tanto para lhe dizer. E aconteceu
tanto que sei que o meu pai gostaria de ter visto. Quando o meu pai partiu, há
21 anos atrás, estava a meio da década após o seu meio século. Aproximo-me da
idade que ele tinha. Espero que demore. Peço para que os dias andem de modo
mais vagaroso. Quanto mais devagar eles andarem menos próximo estarei do meu
fim, venha ele quando tiver de vir. Só espero estar preparado para lidar com o
fim da minha existência e não ser um cobarde choramingas, um medroso acagaçado,
um mariquinhas que não sabe lidar com sofrimento, dor e fim. Nunca estamos
prontos, acho eu. Poder-se-á estar sereno a ponto de não termos medo de partir?
Não sei. Não sei mesmo.
Ainda não é o tempo, ainda não é o momento, repito para mim
estas frases convencendo-me de que se as for repetindo por vários anos e décadas,
acabarei por não ter de ir. Mas todos temos de ir. E é tão normal que estes
balanços sejam feitos por nós, de modo periódico, diria mesmo de modo higiénico, numa
autoscopia muito necessária.
Este ano, no dia dos meus 50 anos completos, vou procurar
juntar amigos e familiares, celebrar, conviver, recordar, rir, chorar, abraçar,
ser abraçado, projectar memórias, lançar novos desafios, fazer balanços,
desenhar novas metas, aferir o que já vivi, conquistei e dei de mim aos outros
e à vida.