domingo, 22 de abril de 2018

#070 Vida normal, ou anormal?


A vida das pessoas normais, as pessoas que são mesmo normais, as pessoas que circulam na rua e são tantas vezes invisíveis, as pessoas comuns, como nós somos, não tem de ser normal. Muitas vezes não é mesmo, de todo. Repara em nós: somos pessoas comuns, somos frequentemente invisíveis na multidão, e temos entre nós dois tanto em comum, logo nós que somos ambos seres normais, diria mesmo normalizados; sabes seguramente do que falo.
A tua vida e a vida que existe em mim não são nada mais do que vidas banais e normais. O que nos distingue é a tua inteligência. Bom, na verdade é também a tua beleza física. Se for perscrutar adequadamente tudo em ti é melhor do que qualquer atributo físico ou intelectual meu. É por isso que te adoro. Porque és normal e, sendo normal, és tudo menos normal.
O que significa, já agora, ser-se normal? Quem tem a autoridade e a força para decretar o que é normal e o que não é normal? A quem foi investido o poder de decretar o que cai dentro e o que cai fora das normas?
O teu cabelo loiro, juntamente com os teus olhos verdes, os teus lábios carnudos, os teus seios leitosos e as tuas formas torneadas não são normais para mim mas são o teu normal e são a normalidade de muitas pessoas que, como tu, foram abençoadas com a perfeição do corpo. É normal que a beleza física seja mais relevante do que a beleza interior? É, isso sempre sucede no início das relações normais, que despertam com o desejo, o erotismo, a sensualidade e a consumação dos corpos que se fundem um no outro, com normalidade ainda que com intensidade ofegante, mesmo que em gemidos e sufocos, entre contorções e exalação de prazeres. Se isso for a anormalidade pois então que vivamos como anormais. Mas não, isso é a normalidade.
Tudo na vida das pessoas normais pode ser sintetizado a processos simples, normais. E, por mais que tenhamos dificuldade em descortinar a normalidade do outro e ela nos pareça tudo menos normal, havemos de normalizar os fenómenos.
Há uns anos a vida era toda mainstream. Tudo era feito de modo normal: os casais sentiam atracção, física, ou intelectual ou ambas, casavam, procriavam, trabalhavam, de pais ficavam avós e raramente ousavam pensar no lado mais oculto da vida: isso seria uma anormalidade. Hoje em dia tudo parece ser normal. A quem interesse saber se a vida que levamos é normal?
Quando estou contigo e tu se me dás, e eu me dou a ti também, considero que é uma anormalidade normal ou uma normalidade anormal? E o que é isso de normal e não-normal, ou mesmo anormal? Quem pode dizer o que é o certo e o que é o errado?
Se a vida normal for uma chatice, uma monotonia, uma adição de rotinas cansativas e desgastantes, então não quero ser normal. Por mais que eu seja, à luz de todos, uma pessoa normal, quase sempre anónima, ignorada na multidão, invisível aos olhos dos outros.
Só espero que aos teus olhos e no teu juízo, esta pessoa normal possa ser, pelo menos especial, única, isolada, proeminente, relevante. É isso que vamos procurando, é essa a base necessária para sermos normal, ou anormalmente, felizes um com o outro.

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