quinta-feira, 19 de outubro de 2023

#095 Nostalgia de Outono

Poderia obrigar-me a sair da bolha, a ir ao encontro do desconforto que sempre surge quando saímos, por nossa iniciativa, ou forçados por outrem, do nosso espaço familiar e onde dominamos as variáveis que nos envolvem. A vida é aventura, desafio, risco, ousadia, paixão, inebriamento; mas é também dor e luto, sofrimento e angústia, lágrimas secas ou encharcadoras das rugas do rosto, cavadas pelo tempo e pelas marcas desse tempo em nós.

Poderia... porém, o estado de cansaço anímico vergava-me agora o corpo que, insolente, respondia com mais e mais desconforto, alimentando a ansiedade voraz que condicionava agora a existência, o ser, o respirar, o agir, o reagir, o lutar, o fazer.

A vida das pessoas passa por fases, não é sempre previsível nem integralmente gerível. Há fatores do destino que, pura e simplesmente, fazem as coisas acontecerem. E avançamos assim, em direção a pontos intermédios de balanço, de reflexão, por vezes até de contemplação e orgulho, outros havendo que, em sentido contrário, nos causam embaraço e arrependimento.

Trabalhar sem alegria, sem prazer no que fazemos, sem medição do retorno do nosso investimento, tudo isso faz do trabalho um logro, um foco de emergência de dor psíquica com consequências físicas.

É urgente sermos felizes, mais felizes, mais realizados, mais agradecidos pela vida que temos. Isso implica dispor de razões de celebração da felicidade, muito para além das esfera das relações pessoais, muito para lá do afeto e do amor que consagramos à pessoa que possa caminhar pela vida afora ao nosso lado.

quinta-feira, 18 de maio de 2023

#094 Decisões

Todos tomamos decisões. Até mesmo não decidir é, em si mesmo, um ato de decisão. Mas eu não quero não-decidir, quero mesmo tomar decisões, porque sinto, antevejo, acredito convictamente que, uma vez tomadas, os momentos subsequentes me trarão serenidade, tranquilidade, apaziguamento.

Ser feliz no trabalho. Nem que isso implique mudar novamente. Quando trabalhamos com satisfação não nos cansamos nunca do nosso trabalho, do nosso fardo, do peso da responsabilidade que carregamos. Ao contrário, trabalhar sem alegria ou satisfação com o que fazemos rouba momentos de vida.

Ser feliz no amor. Já sou, mas quero ser mais. Tenho a felicidade de ter a meu lado uma pessoa excecional, imperfeita e, por isso mesmo, perfeita para mim, ser que se assume igualmente imperfeito e incapaz de algum dia se aproximar desse conceito esotérico. A pessoa com quem vivo é lúcida, com os pés assentes na terra, humilde, leal, honrada, capaz de extrair de mim o que tenho de melhor. Apoia-me e suporta-me (são coisas diferentes), ouve-me e escuta-me (são também coisas diferentes), ampara-me e segura-me (ibidem). Cresci num quadro de valores sociais em que nunca questionei poder ser diferente daquilo que eram as expetativas criadas sobre quem eu viria a ser e como iria viver em sociedade - era assim porque era assim. Mas eu não sou assim. Dizem que sou diferente. Eu acho que sou igual mas que decidi viver de modo diferente daquele que a maioria das pessoas vive. E por isso está na altura de deixar de me preocupar com o que os outros pensam. Devo respeitar quem pensa de forma diferente da minha apenas se essa pessoa respeitar a forma como sou, inteiro e imperfeito.

Ser feliz com os filhos. A obra mais perfeita em que tomei parte, a minha melhor co-criação até ao momento, que sei que jamais conseguirei repetir. A paternidade é uma missão para toda a vida, um compromisso saudável que abracei com energia, amor e de forma abnegada. Pelos meus filhos posso tentar virar o mundo do avesso, acender novas estrelas no firmamento, viajar pelo cosmos infinito e voltar. O amor mais desinteressado, o amor mais próximo da definição de incondicionalidade, advém da relação saudável entre pais e filhos, lúcidos, normais, imperfeitos, com sentido de risco e sem medo de dar, dar, dar, dar e dar. Porque na dádiva também se recebe - satisfação, plenitude, gratidão, reconhecimento, nirvana.



As decisões estão tomadas. O caminho feito até aqui teve curvas e contra-curvas, retas limpas e outras com armadilhas, já conduzi sem carta e já andei fora de mão, tive furos nos pneus e alguns acidentes leves. É hora de fazer a revisão da máquina, encher o depósito, carregar com o essencial, deixando o acessório para trás, engrenar a mudança de início de marcha, sinalizar com pisca que vou partir, tirar o pé do travão, acelerar, sentir a brisa no rosto e seguir caminho até ao fim da jornada.

Metade do caminho pode estar já feito mas há que acreditar que a parte mais bela da viagem ainda estará por chegar, por viver, por saborear, mesmo que seja entrecortada com momentos mais agrestes ou dolorosos. Esta é a minha fé, a minha convicção. Se sou um homem de fé? Tenho fé, sim. Tenho fé no futuro. Tenho fé para me alimentar de forças, na finitude da vida que não se tolhe no divino, antes é feita apesar dos dogmas e da fé dos outros, que não consigo encontrar em mim, nem explicar. Até na fé me sinto desigual.

A diversidade requer inclusão. A inclusão requer tolerância. A tolerância requer compreensão. A compreensão requer, por sua vez, alguma plausibilidade, coerência, sensatez, respeito e cortesia.

Há quem diga que isto também só é possível quando amadurecemos e ainda não perdemos a lucidez. Será?

sexta-feira, 17 de março de 2023

#93 Reflexão sobre o #92

 «A sua situação era imprecisa, indefinida, sem um vislumbre do que pudesse vir a suceder na semana seguinte, no mês imediato, nos anos vindouros. Ansiava por ficar, mas sabia que não seria fácil. Tudo o que o prendia – e não era pouco – se baseava nos afetos, no amor, na vida que tanto idealizara e que acabar por materializar-se. Sentia-se um privilegiado. E, no entanto, tinha noção plena de que o Homem nunca está completo, falta-lhe sempre qualquer coisa, mesmo que também ela seja indefinida, pois «a vida é o resultado das escolhas que fazemos» ou, como escrevia Ortega Y Gasset, «o homem é o ser e a sua circunstância», e sabemos, desde muito cedo na vida, que para termos algo temos de optar por não ter outra ou outras coisas - o chamado «custo de oportunidade».

Talvez, neste caso, fosse apenas a necessidade de demonstrar que ainda era cedo para mandar sossegar as ambições de carreira – como se as ambições, quaisquer que fossem, pudessem ser controladas. Mas não, as ambições são como sonhos em forma de quisto, que crescem e ocupam o seu espaço no nosso corpo, na nossa mente.

Tinha de arriscar e propor-se a algo mais, a cumprir mais uma etapa na sua vida, a poder preencher mais alguns espaços no baú das memórias com aquelas que ainda não tinha conseguido realizar e que um dia estariam ao lado das outras, umas mais gloriosas, outras mais tenebrosas, umas mais serenas, outras mais selvagens. Nada que colidisse com as suas escolhas de coração, de vida, de companhia para a vida. Nada disso. Mas perante a situação imprecisa sentia que tinha de fazer algo e que esse poder era seu, só seu, inalienável, insofismável e, numa certa medida, indomesticável. Como predador de desafios que era, sentiu que tinha chegado o momento de ser ele o dono da precisão e definição do seu futuro, pelo menos no lado profissional.

E se bem o pensou, melhor o fez.»

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

#92 Mudança de rumo

Olá blog.

Já não despejava aqui pensamentos e letras e palavras soltas e, por vezes, sem sentido, desde julho do ano passado.

Normalmente, quando não escrevemos poderia ser sinal de estar tudo bem.

Na verdade, não está tudo mal e a vida até seguiu um curso que não era expetável quando, há cerca de um ano, fui forçado a emigrar, rumando a um novo desafio, numa nova entidade empregadora, num novo ambiente, numa nova geografia. Foram tempos de desafio, de saída da zona de conforto, de crescimento, de adaptação, aos 53 anos de idade.

Se nunca é fácil mais difícil parece ser quando já começamos a pensar em desacelerar da criação de carreira, quando antevemos já que falta cerca de uma década - e 10 anos passam a voar - para podermos deixar de viver debaixo de preocupações, ansiedade, nervosismo, a tentar provar o nosso valor como profissionais, procurando que seja também visível a nossa dimensão humana, mais pessoal.

E, por via disso, hoje estou melhor. Mas continuo distante do meu habitat, estando confortavelmente apoiado nos afetos de quem me acompanha há quase 14 anos, num registo de serenidade e cumplicidade e lealdade e solidariedade e simplicidade e autenticidade que muita alegria me trazem.

Viver numa ilha é sempre um desafio.

Viver numa ilha e ter uma elevada responsabilidade profissional é um desafio ainda maior.

Em cima disso viver na opção pessoal em que decidi apostar para ser eu e ser feliz, é complexidade que se adiciona ao desafio.

Mas, até ver, estou a gostar e a aprender.