segunda-feira, 18 de maio de 2009

#021 Não me largas. Vai-te.

Fecho os olhos e tento ver-te. Tento sentir na ponta dos dedos os contornos do teu rosto. Por mais que tente não consigo tocar-te. Vejo-te mas não tens forma tridimensional.
Não te sinto e, no entanto, estás ali. Desejo não te querer mas não tenho como te evitar. Resigno-me, abro os olhos, espreito para o lado e ali estás tu.
Tu... Tu mesmo, ser que não existes mas que teimas em me perseguir.
Sinto que me odeias, que me queres fazer mal, que não dormes nem te deitas, tu que não te emocionas com uma aurora de Primavera, tu que não vertes uma lágrima nem quando uma criança inocente sofre nas mãos se um qualquer adulto cruel.
Tu só queres que eu sofra, que eu seja infeliz, que eu seja miserável. Tu que não me largas.
Mas eu...
...eu sou como Fénix, que renasce das próprias cinzas. Posso não saber andar bem mas vou-me equilibrando, posso não conhecer o caminho mas sei tactear e encontrarei o Norte.
A mim - garanto - não vais conseguir derrotar, não vais conseguir vergar ante o peso da tua força bruta, silenciosa mas esmagadora.
És cruel, és feio por fora e cinzento por dentro.
Há quanto tempo não te emocionas com uma gota de orvalho que escorre numa qualquer folha de árvore que rebenta numa daquelas árvores da colina junto da ribeira?
Há quanto tempo perdeste toda a capacidade de rires de ti mesmo, das tuas pequenas asneiras e fraquezas, ou mesmo de mim, já que não me largas nem por um minuto e sabes tudo de mim?
Há quanto tempo não ouves delcamar um poema?
Há quanto tempo não jogas ao pião?
Há quanto tempo não sujas os calções com as traquinices que são normais aos meninos da nossa rua?
Conheço-te desde que nasci. Sempre andaste a meu lado. Sempre. E nunca, nunca, te vi fazer nada disso.
Mas agora não te quero mais junto de mim.
Como hei-de mandar-te embora? Ou terei de aceitar que nunca me deixarás.
Se ao menos falasses comigo e me compreendesses, se fosses tolerante, paciente e bom ouvinte.
Mas não! Tu és amorfo, simplesmente existes e esse teu silêncio é uma manobra obscura para dares comigo em louco.
Não hás-de conseguir.
Vai-te embora. Vai. Para sempre. Afasta-te de mim, sombra minha que me assustas.

1 comentário:

Anónimo disse...

Luta permanente contra nós mesmos...A consciência do nosso eu, e do eu que queriamos que fossemos. mas a verdadeira essÊncia do eu reside no equilibrio desses dois...pelo menos, eu assim o penso...
um abraço
gostei do texto