segunda-feira, 20 de abril de 2020

#081 Exaltação dos afetos

Hoje apetece-me escrever sobre a exaltação dos afetos que a situação pandémica do coronavirus me proporcionou.
Com a vertigem dos dias que antes corriam velozes e cheios de afazeres e prioridades, igualmente repletos de fatores de desatenção, sem darmos por isso estávamos a ver o filme da nossa vida com um tremendo viés, eivado de perspetiva unilateral e sempre a partir do nosso ponto, fixo, pouco movível e quase nada flexível.

Não estarei a traduzir a realidade de toda a Humanidade mas não deixará de ser verdade para muitos.
Esta paragem, este confinamento, este isolamento, esta ausência da vida frenética anterior, tudo isto e muito mais que não cabe aqui, trouxe-me (trouxe-nos?) uma diferente disponibilidade para sentir o pulsar da vida. Damos mais valor a pequenos-nadas que já cá estavam mas que apenas negligenciávamos porque assim consentíamos e até gostávamos que assim fosse, lá no fundo.
Por exemplo, o amor da pessoa ou das pessoas que nos amam e que nós amamos. Passamos a olhar para essas pessoas (ou essa pessoa) com um sentido de cuidar diferente, mais consciente de que somos o respaldo uns dos outros (ou um do outro). Os defeitos foram sublimados, as virtudes surgem agora prenhas de significado e significância.
E o que antes parecia ter a sua dose de irreverência e aventureirismo foi passando e já se perde na penumbra do ocaso dos dias da vida.
Muitas vezes quis "vestir a pele" dos outros, gostei de imaginar a vida dos outros, desejei até sentir a sua felicidade e, no meio de todo este turbilhão, terei dado por adquirida a felicidade e completude da vida dos outros. Errei muito e errei em grande. Não me orgulho de tudo o que fiz, nem me penitencio mais. Porque eu acreditava que aquilo em que acreditava era verdade. Acreditem. Lutei pela minha felicidade cobiçando a que imaginava existir na vida dos outros.
E, no entanto, ela pode ter estado sempre aqui. E agora sei que estava e ei-la, imponente que surge, majestática que se impõe.

Se não sabemos quem somos e não sabemos estar em paz connosco, com os nossos defeitos, com as nossas imperfeições, com as nossas frustrações e sucessos também, bem como com as pessoas que nos fazem sentir bem e nos dão o melhor que têm, então nunca saberemos encontrar o nosso caminho de felicidade. Nem sozinhos, nem com mais ninguém.
Dei por mim a pensar em tudo isto nestes dias. E acabei a sentir, com profunda consciência do que tenho, do que sou, do que quero e do espero viver, que tenho a felicidade de ter a meu lado a pessoa mais extraordinária que existe. Tenho mais pessoas extraordinárias na minha vida. E tenho também sabido expelir dela personalidades toxicas. E sou privilegiado por também ter sido brindado com filhos sábios, amigos e compreensivos, e ainda família e amigos que gostam de mim como sou, mesmo que não compreendam tudo. E não têm de comprender tudo, não têm de aceitar tudo, como não têm ou não devem lutar contra tudo o que são as minhas crenças, convicções, certezas, apostas e expetativas. Basta que me respeitem para que também eu os possa respeitar.
E porque no meio de tudo isto me apetece amar ainda com mais intensidade, num registo de cada vez mais serenidade e mansidão sobre a sofreguidão com que antes absorvia tudo o que sentisse poder ser novo e giro e arriscado, e até ridículo e esdrúxulo e patético, assim irei fazer.
Quero fazer o caminho que falta percorrer até ao final lado a lado contigo. Com a nossa graça, a nossa cumplicidade, mas também com os nossos defeitos e imperfeições, porque só assim faz sentido.
A ti fica o meu compromisso: amo-te ainda mais. Amo-te ainda melhor. Amo-te ainda mais além.

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